sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A IGREJINHA DA SERRA
Phonteboa
Fotografia: Adilson Nogueira

Datada de 1853, a Igrejinha da Serra, mais conhecida como Igrejinha do Bonfim, olhava de frente para a Capela do Rosário. Esta por sua vez, nesta quarta-feira à noite, assistiu desesperada sua irmã sendo devorada pelas chamas. Assistiu tudo passivamente, sem nada poder fazer. Afinal o que pode contra as chamas?!  O que pode contra o abandono vivido há anos, pelos ditos “fiéis” que lá frequentam.
Alguns acusam as autoridades pelo descaso e abandono do Patrimônio Público Cultural. Outros acusam o silêncio das autoridades públicas que não combatem os criminosos como deviam! Outros ainda reverberam profecias de que o que aconteceu era previsto, sendo resultado da realidade da crise moral e de valores que estamos vivendo, por que as pessoas não respeitam mais nada! Há aqueles que não conseguem dizer nada, apenas balbuciam palavras desconexas que expressam espanto, tristeza, lamentos... nada mais. Enquanto isso, lá está a Igrejinha da Serra com as marcas do fogo, com as cicatrizes interna dilaceradas...(reveja a fotografia) e do outro lado a Capela do Rosário prevendo o mesmo destino... e mais embaixo, bem no meio das duas a Estação Ferroviária gritando socorro, a Casa dos Engenheiros, a gruta, os casarões... Agora, depois das chamas ter consumido as entranhas de sua irmã, a Capela do Rosário assiste a população de Itaúna cabisbaixo, pleno de lamentos, entristecidos, lacrimosos, atônitos, pelo “desastre” ocorrido com a abandonada irmã. E o que dizer, então?! Que palavras pronunciar para o consolo desta gente? Como levantar o seu ânimo?! (ânimo da mesma rais que Alma) Silenciar e respeitar sua dor? O que assiste a Capela do Rosário?
Enquanto isso as autoridades, os representantes da sociedade que circulam em prantos e lamentos não sabem o que fazer. Esta comoção inicial certamente cessará. Alguns culparão outros, e outros, e outros... e tudo continuará como está. As ruínas da Capelinha da Serra agora se tornaram vozes, que junto com as ruínas do hospital velho, anunciará a todos o “amor” dos itaunenses com sua história... é só o que lhe resta. A Capela do Rosário, o Museu, a Gruta, o Casarão do Dr. Augusto, a casa dos Engenheiros, a Estação de Santanense, o Casarão dos Lima, e todos os outros Patrimônios Públicos Culturais continuarão a gritar por socorro... mas o povo surdo continuará não ouvindo.
Provavelmente serão apresentados projetos para reerguer a Capelinha da Serra, como há bandeiras para destruir as ruínas do hospital velho, pois a população não gosta de ver estampadas nestas velhas paredes a vergonha de ser um povo de uma “cidade educativa” que não cuida de si própria, que não se ama, que em nome do progresso e da fortuna de poucos, mata sua própria história e esquece quem são, que não quer ter identidade.
Provavelmente algumas autoridades serão acusadas pela população desta “cidade educativa”, esquecendo que Patrimônio Público Cultural não pertence a prefeitura, e nem a um proprietário específico, mas pertence à cidade, a todos e que todos tem a obrigação de dele cuidar. Que o Patrimônio Público Cultural de um povo, tem um proprietário, e que este proprietário deve ser o primeiro a procurar os meios de proteção deste bem público. Que o Patrimônio Público Cultural é público, não porque está sobre a gestão de um órgão público, mas porque tem sentido e significado para a coletividade. Que Patrimônio Público Cultural, embora tenha um proprietário e pertence a um indivíduo ou instituição, esta não pode dispor dele como bem entender, pois este bem exerce uma representatividade pública além de sua função pública específica. Assim a Capelinha da Serra não é responsabilidade somente da Paróquia que a administra, ou da Prefeitura, ou do Conselho do Patrimônio. Não a Capelinha da Serra é responsabilidade de todos. A Capelinha da Serra “era nossa”, agora suas “ruínas” são “nossas”, e “nós” temos que decidir o que fazer com “ela”, assim como temos que decidir o que fazer com as ruínas do hospital velho, com a Estação Ferroviária (nosso museu), com a Capela do Rosário, com a Gruta, com o Casarão do Dr. Augusto, com o Casarão dos Lima, com a Casa dos Engenheiros, com a Estação de Santanense, com a Casa da Antiga Secretaria de Educação, enfim, com o “Nosso Patrimônio Cultural”.

Sentar e chorar resolve? Talvez expressa a dor que estamos vivendo ou seja a forma que nós humanos temos para lidar com as perdas, mas a vida continua... Assim, este é o momento de nos mobilizarmos, de acordar para a nossa realidade, de exigir uma postura do poder público e dos proprietários dos móveis e imóveis que têm importância e significado para a nossa história e para a coletividade e ver o que precisa ser feito, decidir o que vai ser feito, antes que amanhã tenhamos novas lágrimas ao ver mais um casarão no chão, mais uma capela pegando fogo, ou uma estação vindo abaixo... o que podemos aprender com isso?!! Não tenho respostas prontas, mas é preciso seguir em frente, fechar as feridas e deixar que as cicatrizes contem nossas histórias. Não podemos esquecer, no entanto, que “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

A Síndrome das “Goiabas Bichadas”

Geraldo Phonteboa 

O que é uma “goiaba bichada”? Geralmente é uma fruta vistosa em sua aparência, capaz de despertar o mais puro desejo. Ao vê-la a saliva inunda nossa boca, o cheiro gostoso da goiaba madura povoa nosso olfato e ficamos inebriados pelo desejo de degustar o sabor da deliciosa goiaba. E, então, ao conseguir apanhar a vistosa fruta, travamos desesperadamente nossos dentes em sua casca, arrancando um grande naco, é aí que vem a surpresa desagradável, de uma poupa sem consistência, mole, suculenta e já com um odor pútrido, causando-nos repulsa e nojo. Este é o contraste que se apresenta. Por dentro o contrário do que se apresenta por fora. Isso porque a aparência externa deve ser atrativa, bela, empolgante, mas quando se conhece o interior, a essência, a intimidade, o que realmente importa, o que se encontra é o nada, a decomposição, o odor insuportável, a repulsa, a podridão.
Transportando, de forma metafórica, esta realidade de uma “Goiaba Bichada” para a sociedade temos, então, o que se define por “Síndrome das “Goiabas Bichadas”. E por que uma “Síndrome”?  Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que define as manifestações clínicas de uma ou várias doenças ou condições clínicas, independentemente das causas de sua origem que possam diferenciá-las.  Assim, enquanto síndrome, esta se manifesta de diversas maneiras e em diversos níveis, e com variações ao longo da história da humanidade. Havendo, portanto, inúmeras fases e maneiras de manifestar-se, desde as relações pessoais de menor monta, até as grandes relações financeiras, políticas e profissionais, esta síndrome é de difícil tratamento, e até então, possui pouca probabilidade de cura.
A forma mais comum de se manifestar é quando os indivíduos procuram criar uma aparência social aceita (do politicamente correto) sem, no entanto, revelar sua intimidade, ou sua real e verdadeira essência. Este projetos de aparência social podem alcançar níveis extremos e causar danos sociais incalculáveis, principalmente quando são assumidos por indivíduos que ocupam funções públicas de grande importância (médicos, políticos, sacerdotes, funcionários públicos,  personalidades artística, advogados, professores, etc), isso porque sua essência são cristalizadas com a aparência vistosa da casca brilhosa (geralmente expressas em palavras, projetos, promessas, etc) e, nesses casos, como suas funções públicas tem uma importância relativa, torna-se tão maior os danos de sua ação de aparência.
Por outro lado existem aqueles indivíduos que também sofrem da síndrome das “Goiabas Bichadas” e que não tem consciência que estão doentes. Sofrem de modo descabido com a falta de reconhecimento público. Lutam de modo dramático e desesperado para ser aceito, reconhecido e valorizado pela sociedade. Transfere todo o seu potencial e ideal de vida para obter este reconhecimento. Entram em depressão, passam a acusar a sociedade pela sua falta de sucesso, não reconhece a si mesmo como parte integrante da sociedade das “goiabas bichadas”. Suas obras e suas ações não são manifestação de sua essência, são apenas mecanismos que têm uma única função: buscar agradar a sociedade ou atrair a atenção da sociedade que ela deseja ser reconhecida. Vive em função da aparência social. No entanto, a forma encontrada para chamar a atenção desta sociedade não possui uma “aparência” tão vistosa utilizadas pelos demais membros da sociedade que, consciente dos bichos internos, criam uma polidez de relacionamentos mais aceitável e que congregam os demais indivíduos sociais através de uma rede de dependências e apadrinhamentos. No afã de querer agradar e de ser reconhecida, e não conseguindo, passam a criticar e questionar o status quo da própria sociedade e não dá conta de que, enquanto, fazem tal crítica e questionamentos torna sua aparência menos vistosa e por isso menos aceita pela própria sociedade. São, pois, tratadas como revoltadas, questionadoras, impertinentes, mal-amadas e, portanto, devem ser deixadas de lado. Enfim, quando estas pessoas morrerem ou se matarem, então suas produções poderão ser recuperadas e lembradas pela sociedade das “Goiabas Bichadas”, e quem sabe seus nomes serão eternizados em salas de artes, em espaços públicos (como praças, ruas, avenidas, prédios etc). E assim, a sociedade com síndrome das “Goiabas Bichadas” poderão penitenciar-se pela sua falta de capacidade de assimilar as diferentes manifestações dos interiores pútrefos das diversas “goiabas bichadas”.
Pois bem, esta é a reflexão desconfortável que a peça “Goiabas Bichadas” provocou em mim. Peça encenada no último dia 19 de julho, no teatro municipal de Pará de Minas, pelo jovem e promissor grupo de teatro Colibri sobre a direção de Rony Morais, que adaptou, para o palco, mais um texto do escritor paraminense (ou paraense de minas?) e meu amigo Flávio Marcus da Silva. Um brilhante espetáculo, que me deixou desconfortável em alguns momentos, tirando-me de minha “zona de conforto”, mas que ao mesmo tempo apontou-me realidades que geralmente julgava ser “natural” e que não são. Sei que Flávio Marcus não busca reconhecimento social e nem Rony Morais, afinal não escrevem textos para serem vendidos, nem fazem teatro esperando agradar sempre, mas fazem o que fazem para manifestarem suas essências. Pessoas comprometidas com uma sociedade mais justa e promova a dignidade da pessoa humana e não suas meras aparências. Não estão preocupadas ou ocupadas em serem aceitas pela sociedade das “Goiabas Bichadas”, mas pelas sociedades das “Goiabas Maduras e Saudáveis”. Agradeço ao Flávio Marcus pela brilhante reflexão, ao Rony Morais pela capacidade de adaptação do texto para o teatro e ao grupo de teatro Colibri pela digna interpretação de um tema difícil como este. Quem sabe uma dia encontraremos uma cura para a síndrome das “Goiabas Bichadas”, enquanto isso, vamos ao teatro... e busquemos refletir sobre nós mesmos... apesar dos desconfortos...  

sábado, 28 de junho de 2014

“Pensamentos inúteis” e o Sistema - (Parte Final)

Geraldo Phonteboa

O que transforma o homem em um ser imprevisível e capaz de romper com os sistemas é sua capacidade de fazer perguntas. A pergunta tem um papel fundamental dentre da dinâmica humana: é ela que promove o novo, que institui e instala a dúvida, que promove o desconforto e tira o próprio homem de seu espaço comum, de sua “zona de conforto”. A pergunta é também um espaço privilegiado para a ruptura com os sistemas que as instituições implantam na tentativa de controlar os processos e as atividades de seus funcionários (também chamados de “colaboradores”). E por que isso ocorre? Vejamos.
Os sistemas não fazem perguntas. Este é um “espaço” de humanização possível dentro do sistema, ou da matrix. Assim, como “desconfiado que sou”, aproveito este “espaço” e pergunto: seria este verdadeiro ou enganador?
Considerando o “espaço” da pergunta como verdadeiro vem a dúvida se as perguntas serão elaboradas, e se essas serão suficientes para romper com as capacidades dos sistemas se adaptarem e manipularem nossas próprias perguntas. E mesmo assim, seremos capazes de resistir ao sistema através de nossa capacidade de perguntar, de criar dificuldades na instalação dos sistemas... Mas se considerarmos que o “espaço” de perguntar seja falso então teremos escolhas? Resta-nos algo mais?
Considerando o “espaço” da pergunta, do questionamento, como um “falso espaço” o sistema, provavelmente, nos ofertará algumas opções. E quem serve ao sistema sabem que opções são estas: o “falso espaço” das escolhas. Quantas vezes já ouvimos frases como “você pode fazer escolhas” ou “façam suas escolhas”. Dentre as escolhas ofertadas pelos sistemas a primeira e mais comum é: você pode escolher entre continuar a atender as exigências do sistema ou você pode escolher sair do sistema. A partir deste modelo clássico de escolha, as demais escolhas apresentadas pelo sistema dela derivam. E porque esta escolha e todas as outras são “falsos espaços” construídos pelo sistema?
Se escolher permanecer no sistema, ter-se-á que esquecer a possibilidade de questionar, de perguntar. Sendo assim se se perde a essência, se se deixa de existir e o resto será servir ao sistema. No entanto, se escolher sair do sistema, provavelmente, será “excluído” do sistema e colocado à disposição de outros sistemas ou subsistemas. Então, as “escolhas” são os “falsos espaços” definitivos e criados dentro dos diversos sistemas. Assim sendo, sair do sistema não é uma escolha, mas também permanecer no sistema não é uma escolha, por isso todas as escolhas são apenas “falsos espaços”.
O único espaço, que de alguma forma, parece permanecer como um possível “espaço”, possível de ser verdadeiro, que dentro ou fora do sistema é a nossa possibilidade de perguntar. Talvez seja por isso que, desde os tempos dos filósofos clássicos – os gregos Sócrates, Platão e Aristóteles – a “pergunta” é mais importante que a resposta. A resposta é estéril. É presa fácil dos sistemas. A pergunta é “a possibilidade do novo”. É a expressão de nossa humanidade. É nossa essência. Questionar, perguntar, interrogar. Não se trata de incomodar o sistema, trata-se humaniza-lo, de compartilhar nossa “essência” e manter vivo dentro do sistema.
Que sejamos criativos ao elaborar nossas perguntas e que elas não cessem! Embora muitos serão silenciados, outros expulsos do sistema, outros cooptados, outros..., mas façamos nossas “perguntas”, são elas que nos humanizam e que tornam a vida possível dentro do Sistema e a pesar dos Sistemas. Que nossas “perguntas” sejam capazes de nos conduzir por caminhos que possibilitam a construção de “espaços” novos e verdadeiros dentro dos sistemas!

E então, faço a primeira pergunta: você pode me ajudar?

terça-feira, 24 de junho de 2014

“Pensamentos inúteis” e o Sistema – (Parte I)
Geraldo Phonteboa
Com o advento da tecnologia da informação (softwares e hardwares ou no popular programas e computadores) e suas aplicações práticas em todas as nossas instituições a vida tornou-se mais prática, dinâmica, e, até certo ponto, mais fácil de ser controlada e manipulada. Os procedimentos são elaborados em sistemas de informação e visam evitar determinadas manobras ou diversidades de opções. Ao mesmo tempo que tornam as atividades mais eficazes, também controlam e cerceiam determinadas liberdades humanas. Embora possamos utilizar desses sistemas para organizar movimentos em defesa das liberdades humanas.
Não há como negar que a eficiência nos procedimentos vem garantindo a qualidade nos sistemas produtivos, e tem contribuído para o desenvolvimento de novos procedimentos e melhorias técnicas e produtivas, que de algum modo, repercute positivamente nos lucros das instituições. Devemos considerar que “lucros” aqui devem ser entendidos em sentido amplo, não somente financeiro, mas também em economia de tempo, retrabalho, assertividade, garantias de qualidade e eficácia.
No entanto, todas estas vantagens derivadas do desenvolvimento desses sistemas de informações tem um “custo” – que também devem ser compreendido em sentido amplo, isso é, custo não se refere somente aos custos financeiros, mas também referem-se a mudanças de comportamentos, atitudes, novos aprendizados, adequações de procedimentos visando atender as demandas geradas pela implantação de inúmeros sistemas.
Considerando todos os “custos” e os “lucros” (em sentido amplo) podemos com certeza afirmar que os “lucros” são compensadores e, em muitos aspectos, justificam os “custos”, embora sejam difíceis de serem calculados e para tanto se medem a partir da percepção sensorial cotidiana. Consideremos também, que todos os seguimentos (produtivos, culturais, educacionais, profissionais e religiosos) podem ser atendidos pela elaboração e instalação de sistemas, e não somente nas instituições produtivas (empresas), mas também nas instituições financeiras, comerciais, de saúde, associações e educacionais. Isso significa que os sistemas de informação podem ser aplicados com eficiência e eficácia em todos os seguimentos da vida humana.
O que ocorre, no entanto, é que o princípio da racionalização para a elaboração dos sistemas não se limita unicamente à montagem de softwares (programas de computadores). Este princípio está associado a outras mudanças e racionalidades que, de alguma forma, normatizam a vida das pessoas dentro das instituições (sejam elas produtivas, econômicas, educacionais, religiosas, de saúde, etc). E esta normatização podem atingir graus de controle tão exagerados que tornam os relacionamentos das pessoas dentro das instituições extremamente desumanos. As pessoas passam a viver em função de cumprir os prazos e as tarefas determinadas pelo sistema, sem considerar as particularidades e as necessidades geradas pelos relacionamentos humanos, ou em detrimento dos relacionamentos. E o que deveria ser prazeroso, ou um lugar de realização humana pela atividade humana passa a ser um lugar de se cumprir normas ditadas por um sistema impessoal, distante, desumanizado. E então, os indivíduos passam a viver para um sistema, que não se sabe qual, nem onde está e que provavelmente tem um nome genérico de … “sistema”, que deve ser alimentado, e há indivíduo que, de tão acostumado com o “sistema” acredita que esta é uma realidade “normal” e “natural” e que, portanto, “louco” e “inconformado” é que “resiste” a obedecer este “sistema”. Então o “sistema” paira sobre os indivíduos e estes se tornam meros servidores do sistema, completamente envolvidos no processo de seguir as regras e prazos determinados pelo “sistema” e subsistemas que passam a constituir uma rede que geram uma nova realidade chamada de “virtual”, que dia a dia, ocupa a vida das pessoas – é a Matrix que se instala... e então aparece as expressões para manter os questionadores ou resistentes dentro desta “nova realidade” da “Matrix”:  “mas é o sistema...” ou “o sistema não permite...” ou “isso não é previsto pelo sistema...então, não deve ser permitido”, ou melhor “isso não é aceito pelo sistema...” e assim vão conformando todos ao “sistema” e vão excluindo os demais (aqueles que tentam resistir e lutar para não ser engolidos pelo sistema) é o “limo sistêmico” ou o “purgatório da Matrix” em um paraíso virtual...

Então cabe-nos aqui algumas perguntas (talvez a única coisa que os sistema ainda não conseguiram fazer sozinho): Caro leitor e eleitor, quem elabora tais sistemas? São os profissionais em sistemas de informações ou os que definem metas (políticos, empresários, diretores, assessores, gerentes, pedagogos, e tantos outros funcionários) para as instituições? E como tem sido sua vida dentro desses sistemas? Tem conseguido – sem adoecer – atender as condições impostas por esses sistemas? Esses sistemas que cercam sua existência têm permitido uma certa margem de manobra, de espontaneidade, de criatividade, que você possa ainda se sentir “pessoa”? Esses “sistemas” (que você não fala com ele e nem ele com você) tem possibilitado melhoria na qualidade de vida (humanização) dentro de sua instituição (produtivas, familiar, cultural, religiosa, saúde, educacional, financeiras, etc...)? É possível viver melhor apesar dos sistemas... (ou “viver melhor” é apenas mais uma face de algum outro sistema!...)? Ainda é possível ser um indivíduo de “desejo” que busca no ambiente de trabalho um lugar de se realizar profissionalmente, além de produzir e realizar atividades “lucrativas”? Ou as instituições não são lugar de realização profissional, visto que agora é o lugar da “matrix revolution”?! Ou tudo isso seria apenas uma fantasia da cabeça deste “filósofo” frustrado e deprimido (portanto, doente) em seu relacionamento com alguns desses “sistemas”?! Talvez, tudo isso, seja apenas uma possível brincadeira de “pensar coisas inúteis…” dentro da Matrix.

sábado, 3 de maio de 2014

O CÍNICO

No último fim de semana, mais precisamente no dia 27 (de abril), esteve no palco do Teatro Silvio de Matos, do Espaço Cultural de nossa cidade a encenação da peça “O cínico”. Um drama trágico que reflete as mazelas humanas derivadas do cinismo e da famosa máxima do “levar vantagem em tudo”. Neste aspecto a temática é muito parecida com a peça “O homem da cabeça de Papelão” de João do Rio, mas um tanto mais dramática, visto que nesta “o cinismo” coloca-se em evidência a mordacidade, a inversão de valores e o descaso com o bem público e o apego às aparências e o status social. Neste sentido “o Cínico” é a expressão pejorativa por não respeitar os sentimentos e valores estabelecidos, onde o “fins justificam os meios”... O cínico é antes de tudo um indivíduo ou um sistema desprovido de pudor, desavergonhado, descarado, imprudente, impassível e obsceno.
A peça “O Cinico”, brilhantemente encenada pelo artistas paraminenses (há controvérsias) Rony Morais, Gustavo Coelho e Gleisson Dias, foi resultado da adaptação de alguns textos do jovem e talentoso escritor de Pará de Minas Flávio Marcus da Silva. Dentre estes textos vale destacar “Somos chiques mesmo, e daí?”, “A indignação de Dona Jaciara”, “Privada de ouro não fede menos” e “O Cínico”. Estes textos encontram-se publicados na coluna “Crônicas de um Patafufo” disponível no portal de notícias GRNews (www.grnews.com.br). Rony Morais e equipe fez a adaptação para o palco e colocou em evidência o sarcasmo e a insensatez de uma família desajustada, mas inteiramente embebida pela lógica capitalista de manter as “aparências” e todo e qualquer custo. Algumas cenas são bastante desconcertantes e nos convidam à reflexão: os apadrinhamentos sociais, o preconceitos e a reprodução sistêmica e desprovida de culpa de valores ditados pela “normalidade” social e a dificuldade de se romper com o sistema e a exclusão dos que tentam.  
Outro ponto forte da peça e que merece um destaque especial é a composição do cenário, que quase passa despercebido ao público, mas que é extremamente significativo. Simples, limpo, sugestivo. Em primeiro plano um conjunto de máscaras que apenas compõe o cenário, mas que o tempo todo está a nos dizer das “mascaras sociais” que assumimos no nosso dia a dia (mesmo sem perceber); um mão em cujos dedos repletos de adereços que praticamente não nos permite ver não só os dedos, mas a própria mão, representam os “penduricalhos” de uma vida de aparências. Ainda no primeiro plano está um reservatório de água, outro de terra e duas vasilhas para alimentar os cães. “Cães” estes bem explorados na peça uma vez que os “pobres” são tratados como cães a serviço do sistema. Mas que, ao mesmo tempo, são estes “Cães” que refletem como a realidade vivida por aqueles que se dedicam a reproduzir o sistema, e que também reforçam e sugerem o reforço do próprio sistema. Esses “cães” fazem uma alusão  à origem do “cinismo” enquanto corrente (presa ao pescoço de um dos cães) filosófica, que segundo alguns estudiosos, tem sua origem na palavra grega kýon (que significa "cão") e pelo fato de Diógenes de Sinope dormir no local que era usado frequentemente como abrigo para cães, para assim demonstrar o seu desacordo com o modo de viver dos homens.
No pano de fundo três grandes murais revestidos de jornais que serve de base para projeção de luz e da grafitagem de protestos (grafitar nossa própria realidade neles estampada). Três pequenos tablados representando situações emblemáticas do drama apresentado. Ao centro o “vaso sanitário” em alusão ao texto “Privada de ouro não fede menos” e ao lado outro tablado onde a socialite d. Jaciara concede sua entrevista. Neste tablado vem a estampa de um código de barras, mas que também faz alusão ao uma cela de cadeia ou de um presídio. São pequenos detalhes que precisaria “ver de novo” para uma nova releitura. No entanto, fica a sugestão de um trabalho de análise e reflexão com o público escolar, visto ser um tema atual e crítico e que expressam, de certa forma, a realidade social atual.
E que o ideal do “cínico”, que é da indiferença perante o mundo, não se perpetue e que o inconformismo do jovem tenha espaço para se expressar, seja na escola, seja no teatro, seja na rua. E que possamos refletir sobre a felicidade e “cadeia” a serviço do sistema, afinal, até que ponto “o trabalho dignifica o homem?!” Insistentemente perguntado pelos artistas, e que o nosso “vagabundear” seja uma expressão do “ócio criativo”.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014


Uma viagem no tempo... no meu próprio tempo. (3ª parte)

Na segunda parte, publicada na semana passada, relatei algumas memórias do lugar onde vivi minha infância, lá onde vivi momentos alegres e tristes. Próximo a sede da fazenda em que morávamos ficava a sede da fazenda de meu avô. Era uma das propriedades mais avançadas da região. Tinha uma água, que movimentava um mojolo, um engenho, um moinho e uma pequena usina elétrica que beneficiava a fazenda. Lembro-me muito, e com muita saudade, de duas grandes atividades nesta fazenda: a produção de rapadura e a fabricação de farinha de mandioca e de pouvilho (azedo e doce).

A fabricação de farinha e de pouvilho ocorria nos meses de janeiro e fevereiro e a fabricação de rapadura nos meses de maio e junho. Nesses períodos era realizado um verdadeiro mutirão. Todos nós, inclusive a meninada tinha que ir para ajudar nas tarefas. Passávamos dias descascando mandioca (meu avô chamava de desmanche da mandioca). A atividade era feito em série, uma equipe ficava na colheita, outra no transporte, outra no descasque, outra na ralação e outra na torragem e secagem.

A mandioca era arrancada logo pela manhã. Enchia o carro de bois e levava a uma das cobertas da fazenda. Lá é que a maioria da criançada trabalhava. Com uma faquinha apropriada, tirava a casca fina da mandioca. A mandioca descascada era colocada em um balaio e levada ao tanque para lavar. Uma vez lavada a mandioca era levada para o ralinho(triturador) movido a água – lugar perigoso, proibido para as crianças. A massa de mandioca era então distribuída: uma parte era levada para os grandes “cochos” feitos de pau de uma arvora chamada “bilosca” onde a massa era mergulhada em água e ficava para azedar – depois de azedo esta massa ia para a secagem em grandes estruturas de esteiras de bambu, obtendo assim o pouvilho azedo; outra parte ficava depositada por um dia dentro da água para curtir, mas era tirada antes de iniciar o processo de fermentação, era colocada em uma prensa para retirar o excesso de água gerando assim o pouvilho doce; e a terceira parte da massa era direcionada diretamente para a prensa e de lá era conduzia aos grandes tachos para serem torradas que se transformava em farinha. Eram dias e noites de trabalho... e apesar de alguns cortes, era suavizados por café com biscoito, pipoca e peneiras cheias de mandiopã... posso até sentir o cheiro e o sabor... Quanta saudade!

Já o trabalho no engenho, geralmente nos meses de maio e junho, também se dava em mutirão. Um grande engenho movido por uma roda d’água onde a cana era esmagada. O caldo corria sobre uma canalização improvisada com casca de bananeira verde até a um grande tanque feito de alvenaria. Neste tanque a garapa descansava e as primeiras impurezas era retiradas. Depois de descansar a garapa (o caldo) era conduzida para os tachos para a fervura. Este caldo passa por quatro grandes tachos, cada tacho correspondia a uma etapa da fervura. Neste processo o excesso de água presente no caldo se evaporava e as impurezas eram retiradas. Depois de horas de fervura o caldo se transformava em um melado e se olhava o ponto colocando pequenas porções em água fria (quando se transformava em puxa-puxa – uma bala natural). Chegado ao ponto este melaço era levado às formas de madeira e então esfriava e cristalizava tendo como resultado a rapadura. As fornalhas eram alimentadas a lenha, e sempre que possível, com o próprio bagaço da cana, depois de seco.

É claro que o trabalho da criançada era mesclada entre o “fazer” e o “brincar”, onde ao “brincar” se “fazia”, e assim trabalho infantil não era visto como exploração, mas como momento de aprendizado e ao mesmo tempo de diversão. Talvez, por este motivo, lembro-me deste tempo como algo prazeroso e também com muita saudade. O engenho não existe mais. A sede da fazenda, também não, mas sua presença em minha existência será eterna.

Todo este trabalho se encerrava com uma grande festa! A festa de São João que era também o santo de devoção de meu avô que também de chamava João... Então, viva São João!

Esta “infância saudosa” busco expressar em versos como os de agora...

DESMANCHE DE MANDIOCA

Geraldo Phonteboa

Contos, memórias, cantigas

Antigas, distantes, presentes

Iluminam o ambiente

Enquanto a faca corre

Por entre minhas mãos

E no desmanche da mandioca

Tapioca, mandiopã,

Pipoca, biscoito de polvilho

Café quentinho feito na hora

No cantinho da casa… silêncio!

E o passar do tempo,

Trabalho, risos, gargalhadas,

Felicidade da roça,

Na dádiva do fruto

da terra, do encontro.

 

Saudades…

terça-feira, 28 de janeiro de 2014


Uma viagem no tempo... no meu próprio tempo. (2ª parte)

Como disse no artigo passado, estou fazendo uma viagem no tempo... no meu próprio tempo. Assim sendo, vamos seguir a estrada, pois tem muita poeira pela frente... isso mesmo, muita poeira, e não é só metáfora, neste verão de janeiro as estradas são poeira pura, mas há muito pó acumulada ao longo do tempo.

Neste segundo relato quero falar de um lugar muito caro para mim e para meus irmãos. Caro por trazer à memória momentos alegres e momentos tristes. Assim é a vida: há sempre momentos alegres e momentos tristes. Fui visitar a casa onde passei os meus primeiros 10 anos de vida. A casa está lá, linda e muito bem cuidada. O atual proprietário fez reforma na casa e olha foi uma grande reforma, mas manteve suas principais características. Por este motivo, gostaria de publicamente agradecer este proprietário, que nem sei quem é, mas quero agradecê-lo assim mesmo, pois mantém intacto aquela casa. A sua manutenção possibilitou-me confrontar a realidade com a memória que tinha sobre ela. É nesse sentido que nos possibilitam uma reflexão sobre a importância de um patrimônio para a memória coletiva.

 

 



E o que foi possível rememorar? Que ideias tinha do tempo de minha infância e do foi possível perceber diante desta casa? Que memórias esta casa fez erguer dentro de mim? Talvez eu não consiga expressar claramente tudo, mas não custa tentar. Vamos começar pelas diferenças. Para mim a casa era muito maior do que realmente é, isso é compreensível visto que a memória da dimensão da casa guardava a visão de uma criança menor de 10 anos, era afinal visto de uma outra perspectiva. Na frente do casarão havia uma coberta onde de guardava o Carro de Bois, o paiol e na parte abaixo do paiol ficava o chiqueiro. Não haviam as cercas brancas, nem a plantação de capim, em seu lugar havia um gramado natural (não fora plantado) grande, com uma boa inclinação. Neste lugar eu e meus irmãos nos divertíamos escorregando sentados dentro de uma casca de folha de coqueiro, que nós chamávamos de “capota”. Um pouco mais acima ficava o curral.

Voltando à casa, possuía 13 cômodos, todos de assoalho, exceto o banheiro a cozinha e a dispensa. Hoje não sei como está, uma vez que não foi possível entrar na casa. Não tínhamos televisão, pois naquela época possuir uma era coisa para poucos. Tínhamos um rádio 4 faixas e ouvíamos a Rádio Nacional e a Rádio Aparecida. Há duas memórias retidas quanto aos programas de rádio: a primeira refere-se a minha mãe acompanhando uma rádionovela da Rádio Nacional e a segunda era o canto da benção de Nossa Senhora Aparecida, principalmente no dia da padroeira – “Viva a Mãe de Deus e nossa, Oh! Senhora Aparecida.... - da parte da benção do dia de Nossa Senhora Aparecida eu guardei porque era o Bispo D. Geraldo, achava muito chic porque meu nome era dito no Rádio. Lembrei de outras coisas, como: colocar brasas em um latão para nos esquentarmos nas noites de inverno; o colchão de palha; os dias em que se matava porco era uma festa só – a vizinhança juntava para ajudar e depois levava um pedaço como forma de pagamento – a casa ficava movimentada; juntar os bois para carrear, já com 8 anos ia à frente dos bois como guias; a ida à cidade (Crucilândia) à cavalo com meu pai, uma vez ou outra... E quando ele comprou-me um chapéu de palha com fitinha azul... inesquecível. Muitos outros momentos bons mereceriam ser citados aqui. Mas continuarei no próximo...

Uma viagem no tempo... no meu próprio tempo.

Estou sofrendo férias. Então resolvi não ir para o litoral, nem fazer uma viagem longa que atendesse os reclames do sistema capitalista de gastar, gastar, gastar e aumentar os índices de turismo do país. Nada disso. Resolvi curtir minhas férias com atividades diferentes, fazer aquelas coisas que geralmente a gente não tem tempo para fazer, ou quase nunca faz porque sempre temos  pouco tempo, principalmente depois que o ano letivo se inicia. Então resolvemos realizar algumas viagens para cada fim de semana. Para onde? Para qualquer lugar... sem rumo... ou com um pouco de rumo, mas sem muito planejamento.

Estas viagens tinha, ou melhor ainda está tendo, pois ainda estamos no processo, dois objetivos: conhecer lugares novos e rever outros lugares que a muito tempo não via. Assim, andar por caminhos novos e velhos, ver novos lugares e velhos e, ao mesmo tempo, experimentar um tempo novo, ou leituras novas de meu próprio tempo. Neste fim de semana, voltei ao lugar de minha infância, realizei uma viagem no tempo, no meu próprio tempo. Vi pessoas que a muito tempo não via, conversei com outros que acabei de conhecer. Fui a lugares que há anos não visitava.



Figura 1 - Grupo Escolar de Parreiras - Município de Crucilândia

Resolvi iniciar o trajeto pelo antigo prédio onde funcionava o grupo escolar rural onde estudei, hoje abandonado. Mesmo depois de muito tempo, estava tudo lá. Um pequeno gramado na frente, ao lado esquerdo ainda resiste alguns pés de goiaba, destas goiabinhas do mato. Lembro que na hora do recreio era visitado por nós. Por um momento ainda pude sentir a existência e a presença de meus colegas de escola, correndo pra lá e pra cá. Eram duas salas de aula, multiseriadas. Uma sala para o 1º e 2º anos, e outra para o 3º e 4º anos. Lembrei da cartilha em que aprendi a ler, quase cantando, recitávamos as poesias “Minha enxadinha, trabalha bem, corta matinho, num vai e vem”... e aquela outra “Upa, upa cavalinho”... Mas hoje a escola estava com suas portas fechadas... uma pelo menos, as outras quebradas, e no chão de cimento grosso, restos de folhas de caderno e sinais de fogo, no canto um armário de aço velho quebrado, sem portas, deixando revelar alguns copos de plástico... eu e minhas duas irmãs fomos pra frente da escola e ficamos para uma foto. E assim registramos o que resta deste velho tempo... embora eu saiba que a memória do tempo de infância foi apenas reforçada com esta pequena visita.

E por que está abandonada? Por que decidiram matar esta escola, em um país que precisa tanto de escola? Poderíamos pensar inúmeras possibilidades: não haveria crianças suficientes que justificasse a manutenção do funcionamento escolar; ou com a nova política de transportar as crianças da zona rural para as escolas urbanas torna-se mais econômico e beneficia mais alguns e assim garante votos nos pleitos eleitorais. E então não se respeita as diferenças culturais e nem se planeja uma educação que prioriza a fixação do homem no campo e o desenvolvimento de uma agricultura familiar. O contato das crianças da zona rural com as crianças dos centros urbanos acabam provocando um determinado choque cultural que poderá causar profundas transformações na vida dessas crianças. E então, nem todas terão as oportunidades que tive, tendo uma educação dentro de seu próprio espaço, de seu próprio universo.

O que é melhor? O que é pior? Não sei dizer. Mas sei que ver esta escola abandonada não foi o que eu gostaria de ver, embora tenha sido muito bom voltar aquele lugar. Agora fico pensando as inúmeras possibilidades para aquela escola, para aquele local de ensino-aprendizagem... Ainda há esperanças ou possibilidades?! Talvez... mas eu preciso caminhar... continuar nesta viagem do tempo, do meu tempo. O segundo capítulo contarei na próxima semana...