sábado, 19 de setembro de 2015

Preâmbulo de Posse na Academia Itaunense de Letras



Desde do ano de 2007 sou membro da Academia de Letras de Pará de Minas. Nela ocupo a cadeira de nº 14, e como primeiro ocupante desta cadeira pude escolher o  patrono: João Dornas Filho. A escolha de João Dornas para aquela cadeira, além de imortalizar o seu nome, deu-me a responsabilidade de divulgar a sua produção literária naquela cidade e ao fazê-lo contribuir com a sua produção literária. Este é o sentido básico da existência de uma Academia de Letras. Não se trata de vangloriar-nos a nós mesmos, trata-se, antes de tudo, colocar-nos a serviço da sociedade através da nossa produção literária e da produção literárias dos outros, sendo eles acadêmicos ou não. Ser membro de uma Academia é, acima de tudo, acreditar que, pela palavra, podemos contribuir para a construção de uma sociedade melhor. Não se trata de uma honraria, embora seja honroso.
Tenho consciência que não sou um grande escritor, não sou o melhor; muitos melhores do que eu me antecederam, e muitos outros, também melhores do que eu, me precederão. No entanto, independentemente da qualidade dos textos que agora estamos produzindo ou que já tenhamos produzido, temos consciência de que estamos num processo de construção, de melhoria e de aperfeiçoamento. Somos, enfim, aprendizes. É nessa condição que hoje estamos criando a Academia Itaunense de Letras. Estamos aqui, nesta Academia para aprender: com Mário Mattos, com João Dornas Filho, com Nise Campos, com David de Carvalho, com Oscar Dias Corrêa, e cada um daqueles que escolhemos para serem os patronos das cadeiras que ocupamos. Mas também aprenderemos com aqueles que virão depois de nós, com os mais jovens. Nesse sentido a Academia Itaunense de Letras, é mais que uma associação cultural literária, é uma associação educacional e educativa, essencial para uma cidade que quer, ou que se propõe, ser EDUCATIVA.
E, embora pareça contraditório, escolhi como meu patrono da cadeira que ocuparei nesta Academia, não um itaunense, pois os escritores itaunenses terei como obrigação de estudá-los e com eles aprender, mas escolhi um pantaneiro. Escolhi como patrono um dos maiores poetas brasileiros, falecido aos 13 de novembro de 2014: Manoel Wenceslau Leite de Barros, ou simplesmente MANOEL DE BARROS.  E é, com sua poesia, que encerro este preâmbulo:
Retrato do artista quando coisa
A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O Nascimento da Poesia...



Não rara as vezes perguntam-me qual é o meu processo de criação de um poema. Como me vem a inspiração? Ou, o que me inspira para escrever? Nunca tive uma resposta clara para estas perguntas. Então resolvi descrever um desses processos. Isso porque, cada poema tem seu processo próprio. É bom que fique claro, também, que, o que ocorre comigo pode não ocorrer com mais ninguém, isto porque acredito que não há regras para o processo de criação literária. No entanto, sou da opinião do grande poeta pantaneiro Manoel de Barros, que não escrevo por inspiração, mas o que escrevo é fruto de muita transpiração. Veja como um desses momentos de transpiração acontece:
Meu peito está pleno de aperto. Não é mágoa. Não é ódio, mas é composto de uma pressão indecifrável. A respiração torna-se difícil e densa – não chega a ser falta de ar – mas também não se trata de uma respiração normal.
Uma angústia indecifrável, sem motivo aparente, sem causa detectável. Esta angústia começa logo pela manha e já no fim da tarde parece que a pressão aumenta ainda mais. Temo pela noite. Parece-me que algo me espreita, sinto-me vigiado o tempo todo. Olhos invisíveis aos meus, perseguem-me. Todos os meus gestos parecem ser observados e, por isso, não me sinto à vontade, parece que nunca estou só, não me sinto só em momento algum. Esta presença me assombra.
Em algum momento, não contínuo, esta pressão sobe para a garganta que chega a amargar a minha boca, de tal modo, que perco o paladar e o sabor das coisas. Minha cabeça dói. Inquieto-me. Desespero-me. Não vejo ninguém. Não vislumbro nada. Neste vazio denso, pleno de uma essência pesada, mas sem substância. Não encontro substantivos, adjetivos ou advérbios para expressarem os significados deste momento. Só interjeições que se armam e desarmam, laços que apertam como se fossem nós. E o clima fica cada vez mais denso, perplexo, alucinante, hiatos frouxos de atos duros e pesados sobre meu peito.
A tensão em minha cabeça, já doída, pesa ainda mais. Meus ombros ficam tensos como se carregassem o peso do mundo. Caminho de um lado para outro como se procurasse algo que não sei bem o quê. Dou passos vagos... descompassados... sem sentido... andares rotineiros em torno de mim. Varo a madrugada sem ter paz para cerrar os olhos, já vermelhos e vidrados. Pouso meus olhos fixos em um lugar indefinido, ermo, mas desconfiados de todo e qualquer possível movimento. Os músculos de meu corpo, dormentes de mim mesmo, já perdiam suas forças e exigia descanso.
Vem outro dia, vai nova manhã e nova tarde. O sol recolhe ao seu destino no céu, e eu morto de mim e em mim, esgotado deste peso sobrehumano e exaurido de forças entrego-me totalmente ao acaso. Passo a vagabundear pelo meu mundo sem ser senhor de mim. O Tempo que passo nesse estágio é incalculável, desmedido. Estou consciênte, mas não tenho consciência de meu consciênte. Sou semente morta sob o solo – abafado e sem luz.
Nesta solidão plena e completa, onde nem eu mesmo estou junto a mim, depois de um tempo que não sei quantificar, brotam os primeiros versos, que desesperadamente são lançados sobre o papel. Substantivos, adjetivos, advérbios, conjunções e interjeições são alinhavados de forma tão espontânea que parecem ser natural. E assim, sem interrupções, nasce um poema, e outro, outro e outro... numa fluidez de sentimentos e encantos, desejos e emoções, que ao serem grafados ou ditos, ou seja, expressos, vão deixando meu coração leve e em paz; aliviam as tensões de meu corpo e, enfim, quando as palavras não encontram mais sentidos de serem escritas ou ditas sou devolvido a mim mesmo. Meu espaço, porém, já não é mais o mesmo. Eu não sou mais o mesmo. Sou pleno de novos compassos. Durmo, enfim, suavemente, depois de intensos momentos de transpiração.
Então, sei que alguns escrevem versos e se dizem inspirados. Os poemas que escrevo não são resultados de inspiração, mas de muita transpiração. E, geralmente, não posso dizer que estes poemas são meus, pois são de todos que os leem.
Este, no entanto, não é o único processo de nascimento de todos os poemas que escrevo. Cada poema tem sua exigência, seu processo de se compor e decompor. Todos, no entanto, constituem-se num processo de transpiração.