E por falar de poesia...
Hoje quero falar de poesia, de poesia e não
da poesia, isso porque falar de poesia é apenas explicitá-la, mostrá-la, deixar
que ela fale por si mesma. Os poetas acreditam que a poesia não pode ser
explicada, ela tem que ser sentida, vivenciada por cada leitor, uma vez que ela
foi, primeiramente e de modo único, vivida pelo poeta, foi sentida, gerada e que,
através da palavra – por que não há outro recurso melhor – tornou-se possível
aos leitores. Por isso é que iniciei este texto dizendo que falaria de poesia e
não da poesia. Deixe-me explicar melhor, quando falamos de poesia, deixamos que a poesia fale por si só, quando
falamos da poesia nos
envolvemos em explicá-la, compreender suas métricas, seus ritmos, significados.
Para se falar da poesia é
preciso ser crítico literário e, geralmente, matam-se os versos, desencantam
seus sentidos e significados, decantam suas métricas, e procuram conformá-la a
determinados estilos, apenas para compreender racionalmente o que os poetas
quiseram dizer. Falar de poesia é mergulhar nos sentimentos, absorver todos os
sentidos, sonhos, desejos e vida gerados pelo poeta que, através da palavra,
organizou em versos.
Acredito que esta explicação é suficiente.
Provavelmente esta distinção faça pouco sentido pra muita gente, mesmo porque a
maioria das pessoas quando leem poemas, e raramente isso acontece, reagem da
seguinte maneira: não entendi. Mas as pessoas que aprendem a ler poesias elas
simplesmente não conseguem expressar a não ser através de encantamentos. Alguns
ficam estáticos, outras umedece os olhos, outros esboçam sorrisos, e muitas
sentem-se mais leves. Quando lemos poesia e deixamos a poesia falar por si só,
ela provoca em nós, transformação. Possibilita-nos algo novo.
Mas acho que agora chega. Vamos à poesia.
Hoje, com autorização verbal do autor, vou estampar aqui alguns versos do poeta
itaunense Daniel Alcântara. Vamos lá.
Ruas da
deserta ilusão
Logo na entrada ressoa o som do protesto,
Que o mendigo berra na fome de tempos vindouros.
Ele corre, chora, pede aos senhores o que lhe importa,
mas só se tem o pão, vazio como a madeira do falso santo,
e a fome requer mais, somos famintos pelo que poucos tem.
Cantamos aos deuses por isso,
quer seja tolo, quer seja ignorante; A fome é a mesma.
Dos livros vem a carne, dos pergaminhos temos o vinho,
a cura da lepra que se sacia da mentes órfãs,
o buraco negro engolindo a esperança dos olhares,
as leis insanas, proibindo a busca do fruto proibido.
Queremos mais, esta escrito nos jornais dominicais,
em letras miúdas, para que o coro não leia,
sem voz, para que os cegos não ouçam,
sem cor, isso coleciona a inércia.
Droga! Pra que relatar o intento dos esquecidos?
Somos mendigos sem fome nas praças prometidas,
heróis de uma guerra sem vitória,
mártires de atentados terroristas sem mortos,
escritores de páginas destinadas a traças famintas.
Oh inferno! Malditas ruas da deserta ilusão.
Daniel Alcântara.