domingo, 30 de setembro de 2012

Poema Insano


Phonteboa
Insanamente busco palavras para expressar o  que sinto
e sinto que jamais elas me servirão...
e não as escrevo
Leio poemas e nenhum me diz tudo o que preciso
e quero dizer.
Mas são belos, perfeitos, profundos...
Enquanto permaneço nesta busca insana
compartilho o momento
em percorrer seus olhos
e neles me perco
Nada nesse momento interessa
nem minha insanidade, nem as palavras que busco
mas o que sinto é supremo
incomunicável, mas, enfim
vivível.


sexta-feira, 28 de setembro de 2012


E por falar de poesia...

Hoje quero falar de poesia, de poesia e não da poesia, isso porque falar de poesia é apenas explicitá-la, mostrá-la, deixar que ela fale por si mesma. Os poetas acreditam que a poesia não pode ser explicada, ela tem que ser sentida, vivenciada por cada leitor, uma vez que ela foi, primeiramente e de modo único, vivida pelo poeta, foi sentida, gerada e que, através da palavra – por que não há outro recurso melhor – tornou-se possível aos leitores. Por isso é que iniciei este texto dizendo que falaria de poesia e não da poesia. Deixe-me explicar melhor, quando falamos de poesia, deixamos que a poesia fale por si só, quando falamos da poesia nos envolvemos em explicá-la, compreender suas métricas, seus ritmos, significados. Para se falar da poesia é preciso ser crítico literário e, geralmente, matam-se os versos, desencantam seus sentidos e significados, decantam suas métricas, e procuram conformá-la a determinados estilos, apenas para compreender racionalmente o que os poetas quiseram dizer. Falar de poesia é mergulhar nos sentimentos, absorver todos os sentidos, sonhos, desejos e vida gerados pelo poeta que, através da palavra, organizou em versos.

Acredito que esta explicação é suficiente. Provavelmente esta distinção faça pouco sentido pra muita gente, mesmo porque a maioria das pessoas quando leem poemas, e raramente isso acontece, reagem da seguinte maneira: não entendi. Mas as pessoas que aprendem a ler poesias elas simplesmente não conseguem expressar a não ser através de encantamentos. Alguns ficam estáticos, outras umedece os olhos, outros esboçam sorrisos, e muitas sentem-se mais leves. Quando lemos poesia e deixamos a poesia falar por si só, ela provoca em nós, transformação. Possibilita-nos algo novo.

Mas acho que agora chega. Vamos à poesia. Hoje, com autorização verbal do autor, vou estampar aqui alguns versos do poeta itaunense Daniel Alcântara. Vamos lá.

 

Ruas da deserta ilusão

Logo na entrada ressoa o som do protesto,

Que o mendigo berra na fome de tempos vindouros.

Ele corre, chora, pede aos senhores o que lhe importa,

mas só se tem o pão, vazio como a madeira do falso santo,

e a fome requer mais, somos famintos pelo que poucos tem.

Cantamos aos deuses por isso,

quer seja tolo, quer seja ignorante; A fome é a mesma.

Dos livros vem a carne, dos pergaminhos temos o vinho,

a cura da lepra que se sacia da mentes órfãs,

o buraco negro engolindo a esperança dos olhares,

as leis insanas, proibindo a busca do fruto proibido.

Queremos mais, esta escrito nos jornais dominicais,

em letras miúdas, para que o coro não leia,

sem voz, para que os cegos não ouçam,

sem cor, isso coleciona a inércia.

Droga! Pra que relatar o intento dos esquecidos?

Somos mendigos sem fome nas praças prometidas,

heróis de uma guerra sem vitória,

mártires de atentados terroristas sem mortos,

escritores de páginas destinadas a traças famintas.

Oh inferno! Malditas ruas da deserta ilusão.

Daniel Alcântara.

JOÃO DORNAS FILHO: UMA TRAJETÓRIA A SE COMEMORAR – Parte II


 

            Como afirmei no primeiro artigo desta série, a obra de João Dornas Filho ainda é alvo de interesse de pesquisadores e estudiosos, quer historiadores, quer estudantes de literatura. Encontrei na rede mundial de computadores um artigo entitulado “Periódicos literários e Cânone: Leite Criôlo e a Memória Monumental do Modernismo” do estudante de Mestrado da FALE/UFMG, Miguel de Ávila Duarte. Este artigo é muito interessante, primeiramente por que busca situar João Dornas Filho, e especificamente o panfleto “Leite Criôlo” dirigido por ele, dentro do movimento modernista brasileiro e especificamente, mineiro.

 Inicialmente Miguel de Ávila Duarte faz uma explanação teórico-metodológica sobre Cânone e Monumento, que não vem ao caso apresentar aqui. Em seguida Miguel Duarte define claramente o objetivo de seus estudos, assim diz ele

 Pretendemos investigar brevemente a formação do abismo, em termos de monumentalização e legitimidade cultural, que separa hoje duas publicações modernistas de Belo Horizonte e seus respectivos animadores: A Revista (1925-1926), cuja presença emblemática é a de Carlos Drummond de Andrade, e Leite Criôlo (1929), cuja figura central seria João Dornas Filho.

Com o desenvolvimento desta investigação de Miguel Duarte são apresentados alguns resultados interessantes. Primeiro nos oferece uma explicação do por quê que João Dornas Filho não é conhecido como membro do movimento modernista, como tantos outros, enquanto que Carlos Drummond tornou-se astro, não só do modernismo mineiro, como da literatura nacional.  Em segundo lugar, Miguel Duarte, nos apresenta algumas características gerais sobre o periódico “Leite Criôlo”. Neste aspecto julguei importante destacar que

“Sem dúvida o racismo e o racialismo presentes no tratamento da herança africana no Brasil são fundamentais no suplemento e de certa forma o distinguem, mas é preciso lembrar que leite criôlo foi, em muitos sentidos, um periódico modernista como os demais. Não é possível estabelecer uma oposição entre ele e o resto do modernismo mineiro. Pode-se pensar mesmo que o que para nós hoje é chocante constituía o discurso comum naqueles tempos, leite criôlo se destacando simplesmente por falar, influenciado pela Revista de Antropofagia, em tom aberto e escrachado. Não há por que pensar que quando A Revista fala, de acordo com o bom tom que prevalece nela, em “humanizar o Brasil” não possa estar dizendo o mesmo que leite criôlo, com seu linguajar direto, chama de “higienizar o Brasil”.

Ora, pois, assim posto, considero de fundamental importância estudos como este de Miguel Duarte, não só por buscar resgatar a contribuição oferecida por João Dornas Filho dentro do modernismo mineiro, mas principalmente por revelar outras faces deste movimento. Isso nos permite concluir que não existe um único movimento modernista, que ele não foi uníssono, mas constituído de muitas vozes, de muitas faces. Assim devemos falar em “modernismos” e dentre os diversos “modernismos”, João Dornas Filho é um autor a ser estudado e analisado. É isso que o torna especial e não se tornou ou não um fenômeno da literatura nacional, como ocorreu com Carlos Drummond de Andrade. Tanto Carlos Drummond de Andrade, como João Dornas Filho tem um papel próprio no estudo do movimento modernista, e não há como compreender profundamente o significado deste movimento se não considerar estas diversas contribuições.

Creio que neste sentido, o estudo de Miguel de Ávila Duarte contribui, de forma significativa, na elucidação e no estudo de autores modernistas menos conhecidos e que não fazem parte do Cânone da literatura nacional, e, dentre eles, o nosso João Dornas Filho.

No próximo artigo publicaremos alguns fragmentos das obras de João Dornas Filho, até lá sugiro a leitura do artigo de Miguel de Ávila Duarte disponível em http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/arquivos/gt_lt13_artigo_8.pdf. Uma boa leitura para todos e até o próximo...

 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


ENTRE “CACHOEIRAS” E “CASCATAS”

Provavelmente você já deve estar acreditando que o caso do “Cachoeira” não vai dar em nada, ou seja, vai terminar em pizza. E cá entre nós, com tanta pizza na vida pública brasileira, não sei porque o programa “Fome Zero” do ex-presidente Lula, não atingiu seus objetivos. O brasileiro continua faminto. Faminto de moralidade, faminto de justiça, faminto de honestidade na vida pública, faminto de projetos que melhore a qualidade em educação e saúde.
Agora faminto mesmo está o “Leão” e a política fiscal do governo. Haja impostos... e ainda tem políticos solicitando esclarecimentos sobre a administração da praça de pedágio da MG-050!!!. Um verdadeiro assalto à mão desarmada, afinal já pagamos caro o nosso IPVA, que dentre suas finalidades está a conservação de nossas estradas. Obrigação do Estado que não faz, e que passa para uma empresa privada, que cobra pedágio (caro) e também não faz.
Enquanto isso os deputados e senadores fazem o maior teatro da CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Investigação, convocam e gastam-se um tempo precioso (por que todo este tempo é remunerado por nossos impostos, afinal estamos pagando os deputados para esta encenação) para interrogar “Cachoeira” e as “cascatinhas”, mesmo sabendo que eles utilizariam o seu direito constitucional de permanecerem calados. Afinal estamos em uma democracia e todos tem o direito de não produzir nenhuma prova contra si.
E pelo andar da carruagem, a sensação que temos é que esta “cachoeira” não vai dar em nada, pois tem muito peixe graúdo fazendo sua “piracema” e em tempos de desova não se pode pescar. É preciso encenar, fazer de contas que estão investigando, para dar uma satisfação aos eleitores, mesma que esta investigação não produzirá efeito significativo nos rumos políticos do país. Não teremos políticos menos corruptos, não teremos moralidade em nossa vida política, mesmo que o senhor “Cachoeira” seja condenado, muitos políticos envolvidos continuarão em seus cargos e não poderão ser julgados pela justiça comum, devido o que está na raiz de todo o sistema de impunidade política em nosso país: a imunidade parlamentar.
A imunidade parlamentar são prerrogativas que asseguram aos membros do parlamento (deputados e senadores) ampla liberdade, autonomia e independência no exercício de suas funções, protegendo-os contra abusos e violações por parte do poder executivo e do judiciário. O problema é que esta prerrogativa vem se tornando um manto de proteção de políticos desonestos ou envolvidos em ações ilícitas. Esta liberdade e autonomia blindaram os políticos de qualquer investigação, sendo o único caminho seus próprios pares, ou seja, os próprios deputados e senadores – o oficial “clube do bolinha”, e assim ficamos refém dessas quadrilhas de colarinho branco.
É claro, que não podemos colocar todos os deputados e senadores no mesmo balaio. Mas então, pergunto: por que os deputados e senadores honestos (provavelmente há alguns) não propõem mudanças que limitem a prerrogativa da imunidade parlamentar? Vamos acabar com esta “cacheira” entes que os peixes subam em piracema? Ou continuaremos sendo obrigados a ver e ouvir as cascatas das CPI’s ou CPMI’s, e pagando caro por isso...

terça-feira, 25 de setembro de 2012


Para não falar da morte, nem dos mortos...

 

Talvez este texto seja publicado na Sexta-feira da paixão, ou talvez próximo a este dia... Mas isso não importa. Em minha família é tradição: Sexta-feira da Paixão é dia de silêncio – não se assobia, não se canta, não liga televisão, nem rádio, não escuta nenhum instrumento sonoro... tudo é silêncio... silêncio... silêncio... – E, por quê? Ainda posso ouvir a resposta de meu pai – “É o nosso jejum, em respeito à morte do filho de Deus”. Nunca entendi muito bem isso, quando menino. Hoje, não. Sinto falta desse silêncio!!! Mais do que isso, percebo a dificuldade de fazer esse silêncio... Então tenho feito esse sacrifício há alguns anos, ou seja, busco, na Sexta-feira da paixão, praticar o silêncio total... não só deixo de escutar os barulhos dos aparelhos eletrônicos, como procuro não fazer barulho que possam expressar alegria, cadências, ritmos... além de buscar não fazer barulho, procuro também fazer silêncio interior, meditativo, reflexivo...
E como é difícil!!!
Como Sexta-feira da paixão faço meu silêncio, quero hoje refletir sobre a morte e os mortos. Sei que não é dia de finados, mas é dia reverenciar a morte redentora do filho de Deus (para todo aquele que crê). E para falar sobre a morte e sobre os mortos, quero trazer para esta reflexão a morte de dois brasileiros, que apesar de suas fragilidades como seres humanos, ajudaram, de alguma forma, muitos brasileiros e enfrentar momentos difíceis em nossa história recente: dois mortos. Quero também clamar, neste dia, pela morte de algumas coisas em nosso país!
Os dois mortos são: Chico Anysio e Millôr Fernandes. Estes humoristas nos ajudaram, com sua arte, a atravessar o período negro do Regime Militar. Fizeram-nos rir, aguçaram nossa inteligência e fez-nos pensar em algumas possibilidades de elaborar uma crítica de nós mesmos. Millôr Fernandes, com sua intelectualidade e singeleza de traços expressou inconformismos, rebeldia, humor, gracejos... Chico, com seus personagens, povoou o Chico City (retrato do Brasil). Ao mesmo tempo, que falamos da morte destes dois grandes humoristas, que ocuparam horas e horas de homenagens nos canais de televisão brasileiras, esquecemos, por outro lado, das tragédias que continuam eliminando pessoas anônimas, e que pouco interessa à mídia televisiva. Estes mortos anônimos são vítimas da inoperância da justiça brasileira e de leis fracas que não protege o cidadão. Mortes que poderiam ser evitadas se não houvesse um sistema judiciário que privilegia a impunidade e o “jeitinho”. Assim, à minha maneira, os mortos Chico Anysio e Millôr Fernandes representam estes silenciados pela cultura de morte implantada em nosso país. E, por isso, sou obrigado a falar da morte...
Clamo pela morte da injustiça e da corrupção de nossos políticos. Não desejo a morte de nossos políticos, mas a morte do sadismo, da sacanagem, da ganância que gera a corrupção em grande parte de nossos políticos (Demóstenes Torres está demonstrando, atualmente, como isso funciona). Injustiça e corrupção são, a meu ver, as faces da morte em nosso país. A injustiça (entenda-se aqui a própria lentidão do sistema judiciário, a fragilidade das leis com todos seus recursos e brechas, a falta de vontade e compromissos de alguns promotores e juízes, etc), são expressões reais da morte em nosso país. Se antes, durante o período da ditadura militar não podíamos falar, o silêncio era obrigatório – não por respeito, mas por medo, – hoje podemos falar... mas muitos (nossas autoridades, principalmente) preferem silenciar-se perante a situação sistêmica da morte instalada na vida política e judiciária brasileira. E, diante deste tipo de silêncio (omissão), transformam todos os dias do ano em sextas-feiras da paixão, de um silêncio tão profundo (não reflexivo, vazio)... império da morte... morte sistêmica...
E neste meu silêncio(reflexivo, orante) clamo pela morte da injustiça e da corrupção... e CREIO que, um dia, haverá RESSURREIÇÃO para o nosso país!!!.

IMUNIDADE OU IMPUNIDADE PARLAMENTAR


Publiquei recentemente, em minha coluna no Jornal Diário, um artigo denominado “Entre Cachoeiras e cascatas”. Foi o artigo que mais gerou repercussão, desde que iniciei minhas publicações neste jornal. Esta repercussão sugere duas grandes questões: primeiro a população está cansada de ver políticos envolvidos em crimes e não serem condenados; e, segundo, opinar sobre determinados assuntos envoltos em valores morais e éticos, são, por si só, provocativos.

Independente disso, a proposta desta coluna é “pensar” ou provocar reflexão, sobre qualquer assunto que mereça tal provocação. Assim no artigo passado apontei para a raiz daquilo que acredito ser o problema da moralidade política em nosso país: a imunidade parlamentar.

Recordando, a imunidade parlamentar é a prerrogativa que tem por objetivo proteger a atividade do parlamentar (Deputados, Senadores e também vereadores) no exercício de suas funções. O grande problema é que esta prerrogativa vem sendo utilizada pelos parlamentares e como ela aparece, para nós cidadãos comuns: como uma “blindagem” jurídica aos parlamentares, e por isso passa a representar invariavelmente “impunidade”. Esta situação vem ser transformando imunidade e impunidade em palavras sinônimas o que não é. Mas o pior não é esta associação entre estes dois termos, e sim, os resultados práticos desta situação na vida política, pois gera descrédito com a atividade parlamentar e afasta o cidadão da participação política.

Todos perdem com esta situação, menos os políticos “picaretas” os “bandidos engravatados” que são os únicos que são beneficiados. O parlamento perde porque é desacreditado, o pais perde por que os recursos dos impostos são gastos em investigações inúteis (CPI’s e CPMI’s, fácil de ser observado), recursos que deveriam estar a serviço de elaboração de projetos que beneficie o país e a população brasileira.

Não se trata apenas de acabar com a imunidade parlamentar, a questão é um pouco mais complexa. A Imunidade parlamentar é uma necessidade jurídica para o exercício parlamentar garantindo o equilíbrio entre os poderes executivo e judiciário. O problema é como garantir o equilíbrio jurídico entre os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) sem permitir que parlamentares utilizem deste aparato jurídico em benefício próprio, acobertando ações ilícitas e criminosas.

Para isso é que é urgente uma reforma política, definindo inclusive critérios na aplicabilidade da “imunidade parlamentar”, evitando a impunidade de parlamentares envolvidos em atos ilícitos. E como está definido a imunidade parlamentar no caput do art. 53 da Constituição, em que o parlamentar tem direito a esta prerrogativa desde o momento de sua diplomação como parlamentar, sem fazer nenhuma ressalva para crimes praticados antes e durante sua vida pessoal, quando ele não está no exercício parlamentar, torna-o excluído da ação da justiça comum.

Sendo assim é preciso uma mudança radical, não só dos artigo 53, da Constituição, mas também de outros artigos, definindo claramente o que é atividade parlamentar e o que não é atividade parlamentar. Não há dúvidas que ações de deputados fora do escopo definido pela Constituição de “atividade parlamentar”, deveria gerar automaticamente um processo e uma investigação pela justiça comum, como todo o cidadão comum. A ausência de uma definição clara sobre o que é e o que não é atividade parlamentar, restringe qualquer tipo de investigação sobre os atos dos parlamentares. Situação que dificulta qualquer tipo de punição ou de ação que visa moralizar o parlamento, uma vez que o único caminho possível é o processo de “decoro parlamentar”, o oficial “clube o bolinha”, onde os próprios deputados, segundo seus interesses e conchavos, vão determinar quem feriu ou quem não feriu o famigerado “decoro parlamentar”.

 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

JOÃO DORNAS FILHO - PARTE I


A partir de hoje publicarei nesta coluna uma seqüência de artigos com transcrição de parte de textos do escritor mais famoso e importante de Itaúna do século XX. Importante pela qualidade e diversidade de sua obra, bem como pelo alcance de suas publicações, mas que, infelizmente, ainda é muito pouco conhecido pela maioria dos itaunenses.  Esta sequência de artigos é na realidade o modo que encontrei de, modestamente, celebrar os 110 anos de seu nascimento (07/08) e, também, os 50 anos de sua morte (16/12).

O autor, a quem me refiro, é o itaunense João Dornas Filho, o “Zau”. Pra começar creio ser preciso fazer uma pequena apresentação deste autor. Isso por quê, provavelmente, ao falar de João Dornas Filho muita gente associará ao nome da escola estadual situada no bairro Santo Antônio, mas que certamente não sabe de quem se trata e nem porque aquela escola tem este nome. Então, quem foi João Dornas Filho?


João Dornas Filho – fonte: www.viafanzine.com.br

João Dornas Filho é filho de João Dornas dos Santos e Maria Eugênia Vianna Dornas. Seu pai era fazendeiro e republicano com participação significativa no movimento republicano em Santana de São João Acima (hoje Itaúna) no final do século XIX. João Dornas nasceu em 07/08/1902. Cursou a escola primária aqui mesmo em Itaúna, no grupo escolar “Dr. Augusto Gonçalves”, formação básica eficiente para os vôos do futuro escritor e historiador autodidata. Possuidor de um espírito curioso e investigador, sempre esteve atento ao que acontecia ao ser redor. Até os anos de 1920 já escrevia ensaios para os jornais locais como o informe cultural “Zum Zum”.

Na década de 1920, João Dornas Filho mudou para Belo Horizonte. Na capital conheceu um seleto grupo de amigos intelectuais e juntos se envolveram no movimento literário denominado de “movimento modernista”. Já na década de 1930, começa a publicar suas obras e até o ano de 1951 já tinha publicado 12 livros: “Silva Jardim” (Cia. Editora Nacional – Brasiliana, São Paulo, 1936); “Os Andradas na História do Brasil” (Gráfica Queiroz Breiner – Belo Horizonte, 1937); “A Escravidão no Brasil” (Civilização Brasileira S/A, - Rio de Janeiro, 1939); “Bagana Apagada” – contos (Editora Guairá, Curitiba, 1940); “A Influência Social do Negro Brasileiro” (Caderno Azul nº 13 – Editora Guairá, Curitiba, 1943); “Eça e Camilo” (Caderno Azul nº 21, Editora Guairá, 1945); “Júlio Ribeiro” (Cadernos da Província nº 2 – Livraria Cultura Brasileira Ltda – Belo Horizonte, 1945); “Antônio Torres” (Caderno Azul nº 31 – Editora Guairá – Curitiba, 1948); “Os Ciganos em Minas Gerais” (Movimento Editorial Panorama – Edições João Calazans – Belo Horizonte, 1949) e “Efemérides Itaunenses” (Coleção Vila Rica – Edições João Calazans – Belo Horizonte, 1.951).

Durante a publicação destas obras, João Dornas Filho, ainda publicou inúmeros trabalhos coletivos em revistas e jornais, sendo que, pela riqueza e pela regularidade de publicação destaca-se a revista encarte do jornal Estado de Minas, o periódico “Leite Criôlo”. A importância deste periódico é tanta que hoje vem sendo objeto de pesquisa de mestrado e doutorado.

No ano de 1945, João Dornas Filho foi eleito para a Academia Mineira de Letras, ocupando a cadeira de nº 12, cujo patrono é José de Alvarenga Peixoto. Segundo Miguel Augusto, durante sua atuação na Academia Mineira de Letras foi um defensor da participação das mulheres nos quadros da Academia.

João Dornas foi casado com Efigênia Ondina Xavier Dornas, ela de Belo Horizonte. O casal não teve filhos. Faleceu aos 11 de dezembro de 1962 com 60 anos de idade. O legado da obra de João Dornas passa a pertencer a suas irmãs. Este rico acervo se encontra hoje sob os cuidados do Instituto Maria de Castro e inclui manuscritos do historiador, bem como alguns originais de livros e artigos. Este acervo foi doado por suas irmãs ao Instituto.

Nos próximos artigos publicarei fragmentos de suas obras, por acreditar que a melhor forma de homenagear um escritor é tornar suas obras conhecidas, lidas por novos leitores. É desta forma que os autores se eternizam.

Reinvento


Não tenho tempo, já disse
mas rasgo os pedaços de tempo que tenho
e lhe oferto momentos de mim
em abraços que lhes são necessários...

Não tenho nada para oferecer
a não ser a mim mesmo.
Agora sou, neste pedaço de tempo,
totalmente seu.

A única coisa que quero agora
que você sinta, no calor deste abraço,
o que somente eu posso lhe ofertar,
ninguém mais.

Neste abraço sincero
reinvento o tempo
reinvento o conceito de necessidade
reinvento o próprio ato de inventar.


Phonteboa

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Itaúna: 111 anos... o que temos para contar e o que ainda não sabemos contar...


 

Geraldo Fonte Boa

Capela Nossa Senhora do Rosário, construída em 1750 dedicada a Senhora Sant'Ana.
A história de uma cidade, geralmente é contada a partir de sua emancipação política. O objetivo desta comemoração parte do pressuposto que a liberdade e autonomia administrativa é um acontecimento que deve ser considerado como elemento essencial para se rever o história do município. Este fato reside em um conjunto de valores em que os aspectos políticos e ideológicos são predominantes, visto que a ruptura política entre uma cidade sede e um de seus distritos, marcam de forma definitiva a administração e a organização da vida das pessoas que nesses espaços urbanos residem.


Sabemos, porém, que a escolha de uma data, e no caso da data emancipação político administrativo, é uma mera escolha para se comemorar o desenvolvimento urbano, uma mera convenção. Assim, por ser uma data aleatória, a comemoração do aniversário de uma cidade pode partir de outros marcos: a chegada dos primeiros habitantes de origem europeia, o confronto entre grupos étnicos e o predomínio de um sobre os demais, a presença de um determinado grupo na região, etc... tudo isso depende do que os moradores e as autoridades locais consideram como significativa na história do lugar.  Mas como se observa, a comemoração do aniversário da cidade será sempre um bom momento para contar e recontar a história dos antepassados. E o exercício do “contar e recontar” revelam dois grandes eixos de reflexão interessantes: o que temos para contar e o que ainda não sabemos contar.

Assim, o que temos para contar é aquilo, que de alguma forma, foi escrito por alguém e que foi considerado como uma história coletiva. Temos, então, no caso de Itaúna, o que nos contou, e, portanto, escreveu, o historiador João Dornas Filho. Sua história está registrada em duas obras que são consideradas referências para a história de Itaúna: a primeira “Itaúna: contribuições para a história do município” escrita em 1936 e “Efemérides Itaunenses” de 1951. Como vê, estas obras foram escritas há aproximadamente 50 anos depois da emancipação politico administrativo de Itaúna. Depois disso vários outros artigos sobre a história do município foram publicados, mas tomando como referencia a obras de João Dornas Filho.

Relendo tudo o que já fora dito, até então, sobre a história de Itaúna, provavelmente não temos como nos esquivar da história das famílias Gonçalves de Souza, Nogueira, Lima, Marinho, Camargos, Pereira, Corradi, Queiroz, Guimarães etc. Sem dúvida estas famílias foram importantes para o desenvolvimento econômico, social, político e cultural do município. Sobre estas famílias é
Matriz de Sant'Ana, construída em 1835 quando houve a troca dos oragos com capela do Rosário. Este templo foi demolido em 1934 para a construção do atual templo de Sant'Ana.
possível contar uma história e que de certa forma se misturam com a história do município. Mas as histórias destas famílias não abarcam a realidade da história do município, isso porque muitas outras famílias engendraram a história municipal e sobre tais famílias sabe-se muito pouco ou quase nada. É o que não conseguimos ainda contar.


O mesmo vale para os eventos culturais e sociais ao longo dos anos de desenvolvimento de nossa cidade. Muitos eventos culturais marcaram a vida da cidade, mas também não deixaram registros para a posteridade; muitas festas religiosas não foram registradas, ou seus registros se perderam, e assim foram construindo pontos escuros e ocultos à história do município.  Assim, temos a oportunidade de recontar a história e cada vez que fazemos este esforço, novos elementos podem ser revisitados e revelados...

Foi o que aconteceu, por exemplo, sobre o primeiro povoador de então Arraial de Santana de São João Acima. Inicialmente João Dornas Filho apontou Gonçalves da Guia como um dos primeiros povoadores da região. Guaracy de Castro Nogueira em pesquisa revisional comprovou que o primeiro povoador era Gabriel da Silva Pereira, Tomás Teixeira e Manuel Pinto de Madureira. No entanto, este trabalho revisional confirma a ereção da atual Capela de Nossa Senhora do Rosário como marco da formação do arraial de Santana.. Esta capela, cuja provisão é de 1750, foi dedicada a Senhora de Santana até o ano de 1835, quando se efetuou a troca dos oragos da capela. Neste ponto há também pontos obscuros. Segundo João Dornas Filho, e reforçado por todos os historiadores posteriores a ele, que havia uma capela de nossa senhora do Rosário onde hoje se ergue o majestoso templo de Nossa Senhora de Santana. No entanto, na há nenhum documento ou registro fotográfico sobre esta capela. Nada que confirme sua existência a não ser a tradição. Nenhuma provisão para a sua construção, nem mesmo a autorização episcopal para se efetuar a troca dos oragos... e pelo visto este fato não vem sendo investigado.

Quanto ao ato político administrativo de emancipação o que podemos contar é o que João Dornas Filho registrou em “Efemérides Itaunenses” assim escreve:

“A história da criação do município de Itaúna remonta ao ano de 1891, quando o Sr. Dr. Augusto Gonçalves, então deputado estadual, declarou a Senócrit Nogueira:

- A Constituição do Estado determina que só se podem criar municípios de dez em dez anos. Foram criados agora Vila Nova, São Manuel e mais dois outros. Vamos trabalhar para que em 1901 possamos elevar o nosso distrito a sede do município.

Realmente, nesse ano de 1901 era retomada a ideia por ambos, e Senócrit Nogueira, então Presidente do conselho Distrital, apresentava a 24 de junho ao Congresso Mineiro, por intermédio do deputado José Gonçalves de Sousa, o pedido de criação do município... […]”

Senócrit Nogueira anexa junto ao seu pedido um histórico detalhado sobre o distrito, apontando suas potencialidades econômicas, culturais e humanas, enquanto que então chefe político do distrito Dr. Augusto Gonçalves encaminhava ao Presidente da Província Silviano Brandão uma representação em que apresentava os principais recursos do distrito e de suas plenas condições para ser elevada à condição de sede do novo município. Esta mesma representação foi também encaminhada à Câmara dos Deputados Provinciais em 14 de junho de 1901.  Esta representação juntamente com o pedido de criação do município foi encaminhada para uma comissão mista incumbida de analisar  a reorganização judiciária do Estado no dia 25 de julho.

E assim continua João Dornas Filho “…Enquanto essa Comissão estuda a representação, em Santana a Comissão de Criação da vila, composta pelos Srs. Dr. Augusto Gonçalves, Senócrit Nogueira e Josias Nogueira Machado, convocava uma reunião de pessoas gradas, destinada a escolher o nome que se desse ao novo município.

Prédio da Antiga Estação Ferroviária, construído em 1917, e que atualmente abriga o Museu Antropológico e Etnológico Francisco Manuel Franco
Depois de acaloradas discussões, o padre Antônio Maximiano de Campos propôs que a Vila se chamasse Burgana (burgo, povoado de Ana), em homenagem à padroeira do arraial. Não foi aceita a indicação, e o major Senócrit Nogueira propôs o nome de Brasilina, que seria o adotado se a Comissão Mista, composta, entre outros, do deputado José Gonçalves e do senador Pe. João Pio, não tivesse escolhido Itaúna (pedra negra), em virtude de terem essa particularidade as rochas do lugar.


E, por força da Lei nº 319, de 16 de setembro de 1901, foi criado o município de Itaúna.

Estava, assim, vencida a batalha na qual se empenharam denodadamente os Drs. Augusto Gonçalves, Senócrit Nogueira e Josias Nogueira Machado.”

Esta é a história, que ainda hoje é a história oficial do município de Itaúna. Ao recontá-la há se destacar que em momento algum João Dornas Filho apresenta documentos que comprove esta reunião e a síntese destas discussões. Não há estes documentos? Talvez não. Segundo as notas de rodapé, João Dornas Filho escreveu a partir dos relatos orais de Senócrit Nogueira e, provavelmente, não tenha havido a elaboração de atas de reunião, ou mesmo cópias dos documentos enviados aos órgãos oficiais do Estado.

E a trajetória do município ao longo destes 111 anos? Muito já foi escrito, mas muito há por escrever e cabe a cada cidadão contar um pouco de sua história e de como é percebidos os momentos fortes da vida coletiva. A história de uma cidade não é a somatória das histórias individuais, mas o relato dos fatos coletivos que nortearam e promoveram o desenvolvimento de seus habitantes. Suas manifestações significativas, seus posicionamentos e a reafirmação de seus valores. Novos agentes surgem a todo tempo, e cada novo tempo um momento novo e uma história nova para ser registrada e contada.

 

Fontes:

DORNAS FILHO, João. Itaúna: Contribuição para a história de Itaúna. Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1936.

DORNAS FILHO, João. Efemérides Itaunenses. Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1951.

FAGUNDES, Osório Martins. Fragmentos de um passado. Belo Horizonte: Minas Gráfica Editora, 1977.

NOGUEIRA, Guaracy de Castro. Itaúna em detalhes -  Enciclopédia ilustrada de Pesquisa. Itaúna: Jornal Folha do Povo, 2003.

SOUZA, Miguel Augusto Gonçalves de. História de Itaúna. Belo Horizonte: 2008. Vol. 1 e 2.