sábado, 24 de novembro de 2012


Dia Nacional da Consciência Negra.


No dia 20 de novembro comemorou-se o Dia Nacional da Consciência Negra. Mas o que se comemora, de fato, nesta data? Por que foi instituído o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra? Como foi a origem deste movimento? Quais os reflexos desta comemoração para a consciência nacional, para a vida social e para a cultura do brasileiro? Todas estas perguntas são cabíveis, bem como muitas outras.
Primeiro é importante saber que esta dada foi escolhida e foi definida como uma homenagem à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. O quilombo situado na Serra da Barriga, na região do atual Estado de Alagoas, chegou a ter mais de 20 mil habitantes, significativa para a época, constituída por brancos pobres, índios, mestiços e principalmente negros que fugiam da escravidão.
Por mais de trezentos anos, os negros eram arrancados de sua terra e transportados nos porões de navios, previamente adaptados para este fim – os tumbeiros – vendidos aos proprietários de terras e pessoas com capacidade financeira nos centros urbanos para os mais diversos serviços. Muitos negros enfrentaram as piores condições de trabalho, sofriam com a severidade dos senhores, além da restrição cultural e ter que se adaptar para poder manifestar suas crenças, seus costumes, suas tradições.
Muitos preferiam fugir desta situação e refugiavam em lugares de difícil acesso e desses lugares promoviam assaltos, sequestros, ataques a propriedades buscando libertar outros negros daquela situação degradante. Nesses ambientes formavam comunidades onde podiam reviver suas tradições e crenças de origem – construir uma “África” (das muitas possíveis) aqui. O quilombo de Palmares pode ser considerado um desses grandes agrupamentos de negros que fugiram das fazendas da região de Alagoas, Bahia e Pernambuco. Durante mais de 100 anos (os primeiros registros do quilombo é do ano de 1597) este Quilombo se transformou em uma opção de vida e de liberdade para muitos negros. No entanto no final do século XVII, com a crise na produção açucareira no nordeste brasileiro, principalmente devido a retirada dos holandeses de Pernambuco e a concorrência do açúcar produzidos pelos mesmos holandeses nas Antilhas (Cuba, Haiti, São Domingos), a presença do Quilombo dos Palmares passou a representar uma ameaça à frágil estrutura econômica local. Destruí-lo era uma necessidade. O Quilombo resistiu o quanto pode, mas no ano de 1695, Zumbi, líder guerreiro do quilombo foi morto (20 de Novembro) e Palmares foi destruído.
Ao escolher o dia 20 de Novembro – dia da morte de Zumbi dos Palmares – como o Dia Nacional da Consciência Negra, mais que uma homenagem a este negro que lutou defendendo sua condição de livre no quilombo e sua gente, quer promover a discussão sobre os direitos da população negra de contar sua história, de valorizar sua cultura e de reconhecer a importância deste grupo étnico na história deste país, que ainda não gera as mesmas oportunidades aos diversos seguimentos sociais. Não se trata de criar um novo herói, embora ele (Zumbi) o seja, trata-se de recordar a luta dos negros pela sobrevivência, por sua dignidade, suas tradições e costumes, que é a luta dos menores de nossa sociedade (pessoas simples, pobres, brancos, negros, pardos).
Na década de 1960, um movimento proposto pelo professor de literatura do Rio Grande do Sul – professor Oliveira Silveira - iniciou um movimento de valorização da luta dos negros, que ao mesmo tempo resgatasse a história do negro no Brasil e ainda valorizasse sua cultura de modo amplo. O movimento cresceu de tal forma, conseguindo o apoio de vários seguimentos sociais e de entidades educacionais, políticas e religiosas. Esse apelo pela necessidade de recontar a história de grande parte da população se fez ouvir no governo brasileiro e o levou a aprovação de uma lei reconhecendo o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra (lei nº9.660). A partir de então a história dos negros, seu trabalho, sua luta e sua cultura passou a ser integrada ao sistema nacional de educação, movimentos passaram a ser organizados no sentido de valorizar a cultura afro-brasileira, políticas afirmativas passaram a ser aplicadas garantindo a ascensão social de brasileiros de origem africana, em suma, fazendo a inserção social dos descendentes dos ex-escravos. Uma forma de fazer o que o Estado deveria ter feito em 1888 quando o governo imperial aboliu a escravidão.
Nesse sentido devemos entender que ao se comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra é oportunizar uma reflexão mais séria sobre este grupo étnico, uma das raízes da nação brasileira. Perceber e reconhecer as diferenças sociais e criar mecanismos de se construir uma sociedade mais justa e igual. Esta não deve ser uma luta exclusiva dos negros, e nem uma luta no sentido de divisão, de oposição, mas uma luta no sentido de esforço, de construção, de valorização desta diversidade cultural, étnica, que por si só, constitui uma riqueza da cultura que nos integra como país, como nação.
Não se trata de negar a abolição da escravatura feita por princesa Isabel em 13 de maio de 1888, mas de reconhecer que a abolição da escravatura foi, antes de tudo, uma conquista da população negra brasileira. E ao mesmo tempo de explicitar que aquela abolição, expressa pela Lei Áurea, não atendeu plenamente as necessidade da população negra brasileira. Que muito ficou por ser feito e que muito ainda está para ser feito. Reconhecer que é preciso abolir o preconceito, abolir os entraves que dificultam o acesso à educação de qualidade, a saúde de qualidade, abolir os mecanismos que inibem a justiça social, a melhor distribuição da renda, a aplicação séria, honesta e transparente dos recursos públicos. Esta luta é de todos nós brasileiros: brancos, negros e pardos. Por isso, viva Zumbi dos Palmares! Que sua história de luta seja para nós, exemplo e inspiração para a luta de nossos dias! Neste Quilombo que hoje é Itaúna, que um dia foi influenciado pelo Quilombo do Ambrósio... Mas esta é outra história.., que eu contarei em um outro dia...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012


"ALÉM DOS TRILHOS"

Um mergulho na alma cultural de uma criança (e família) marcada pela chegada e pela partida dos trens de ferro. Este é o resultado da obra "Além dos trilhos" de Maria Lúcia Mendes neste leitor.

“Dentro de mim não mais ansiedade e sim quietude, reflexão: as coisas que amamos não envelhecem, assim pensando agachei-me, juntei um punhadinho de terra, esfreguei-o devagar entre os dedos e pequei o caminho de volta.
Quem nasce à beira da linha aprende cedo que chegadas e partidas são do comando de Deus, mas a viagem vida afora cabe ao destino de cada um. Seja outono ou inverno – não importa a estação – guardará consigo o desejo de decifrar segredos que se escondem em paisagens perdidas no ir e vir da memória” (pág. 10)
Iniciar um artigo com uma epigrafe, embora não sei se é ou não conveniente, mas isso é mais que uma questão de forma, de estilo, é uma questão de sentimento. Escolhi assim porque o texto da epígrafe se apresentou para mim como uma chave de leitura. Uma chave de leitura, porque “os segredos das paisagens do ir e vir da memória” perpassa toda a obra “Além dos trilhos”, ultrapassando os limites da realidade de uma história vivida por duas irmãs em uma cidade interiorana denominada de Cristais, mas que também pode ser qualquer cidade do interior das Minas Gerais marcadas pelo trem de ferro, pelo comércio de secos e molhados, pelos relacionamentos intensos com os vizinhos e, sobretudo, de como os problemas familiares dos adultos são percebidos e vivenciados pelas crianças.
Ao desvendar estes “segredos... no ir e vir da memória” há o encontro com a minha própria infância, que de alguma forma faz parte de uma mesma tradição e de uma mesma paisagem, a “infância comum” de muitos mineiros. Este lugar comum, esta paisagem comum, reforçam os laços da tradição e da cultura mineira o que torna este romance íntimo e aconchegante. Assim podemos “pegar o caminho de volta” e com o cheiro da terra, depois de “esfregados entre os dedos”, podemos também escrever nossas histórias, nossas memórias; isso porque “as coisas que amamos não envelhecem”.
Os apelos comerciais e o desejo de progresso destroem os antigos casarões, nossos cenários de infância; as antigas vendas ou mercearias vão sendo engolidos pelos supermercados e hipermercados cada vez mais frios e sem histórias. O tempo é cada vez mais corrido, não temos mais tempo de visitar os amigos, de um dedo de proza, de uma futrica, de um bate papo descontraído na venda da esquina – não há mais venda, não há mais esquina, – como não há mais rua onde se pode brincar, não há mais casas com alpendre para ver a vida passar...
Não se trata de mero saudosismo, trata-se de um outro tempo, de uma outra paisagem, de uma outra realidade e, o que nos resta, são apenas memórias que nos traz este passado e, pouco a pouco, “no ir e vir da memória” dá um novo sentido ao presente, compreendendo suas mudanças e ao mesmo tempo, atribuindo-lhe novo significado. É a partir destas memórias que os segredos são compreendidos e interpretados, e se configuram em novas paisagens, que com o tempo também deixarão de existir.
Assim as crianças de amanhã dificilmente entenderá como era a vida das crianças de hoje, se alguém não lhes escrever e falar. As crianças de hoje terão a oportunidade de compreender a infância de seus pais e avós ao lerem os exercícios da memória publicados por Maria Lúcia Mendes em “Além dos trilhos”, no último dia 09 de novembro. A maturidade desta memória está assegurada quando percebemos que somente aquilo que amamos é que não envelhece, é que se eterniza, é que se perpetua e se transforma em tradição, em cultura, em patrimônio cultural.
Além dos trilhos haverá sempre algo a mais a nos dizer... haverá ainda outros trilhos... e trilhos que se cruzam, que se interpõem e se entrelaçam... mas mais que trilhos... vida em sua eterna viagem.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012


“Tudo que é sólido desmancha no ar.”

 

Não falarei aqui de filosofia, nem de sociologia. Não pretendo também produzir algo que sirva de referência para estudiosos ou mesmo teóricos sérios e carrancudos que, forçando a barra, elaboram teorias que expliquem modelos acadêmicos de estudo ou teses científicas. Mas não podemos negar que o título (que não foi talhado por mim, e por isso está entre aspas) deste artigo é bastante sugestivo. Apesar tempo em que ele foi talhado, 1848 quando da publicação do Manifesto Comunista. Isso mesmo este título está inserido dentro de um contexto europeu de luta trabalhista, de greves operárias, de teorização sobre as relações de trabalho no sistema capitalismo industrial. 

Assim, recuperar o sentido desta afirmativa considerando o momento político e ideológico em que fora talhada não é simples. Sei que a extensão deste pequeno artigo não há espaço suficiente para verticalizar a análise desta afirmativa. Tenho consciência disso e, portanto, restringir-me a traçar um painel de esboços imperfeitos e fragmentários é algo natural e uma obrigação que imponho a mim mesmo. Portanto não pretendo produzir uma imagem completa, mas acredito que posso recuperar parte de seu significado e a partir dele refletir, também de modo limitado, a novas trajetórias que se estão delineando nos relacionamentos humanos. Não se trata de uma face parcial de relações segmentária, como é a relação trabalhista. Afinal as relações humanas não se limitam à relações trabalhistas.

Mas voltemos por um minuto a parte do fragmento de Karl Marx e Friedrich Engels quando então se talhou e frase capitular deste artigo. Assim escreveu Marx

todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profano, e os homens finalmente são levados a enfrentar (...) as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos” (Marx apud Berman, 1998, pg.20).

Observe que a leitura deste fragmento, considerando o contexto de luta dos funcionários das indústrias por melhores condições de trabalho e salários, certamente as palavras de Marx poderia ganhar uma conotação de esperança, visto que as relações sólidas de dominação da classe operária poderiam ceder, amolecer “desmanchar no ar”.

            Creio que possamos nos apropriar das palavras de Marx, mesmo considerando o contexto do século XIX, para compreender os relacionamentos humanos nos dias deste inicio de século XXI. Hoje os relacionamentos frágeis, descartáveis, virtuais demais. O sociólogo Zygmunt Bauman denomina este relacionamento frágil e descartável de “líquido” criando assim uma categoria oposta ao “sólido” de Marx. No entanto, esta “liquidez” do relacionamento nos tempos atuais não é permanente, tem sua própria fluidez, mas também pode ser “enrijecer”, ganhar substância, substanciar-se. Tudo é possibilidade, e enquanto for possiblidade haverá esperança de que embora “tudo que é sólido desmancha no ar”, mas também nem tudo que não é sólido não é líquido, e tudo que é líquido pode se transformar em algo mais substancial, mas duradouro, mais extremamente comprometido. Porque ainda acredito na capacidade humana de se transformar.