sábado, 3 de maio de 2014

O CÍNICO

No último fim de semana, mais precisamente no dia 27 (de abril), esteve no palco do Teatro Silvio de Matos, do Espaço Cultural de nossa cidade a encenação da peça “O cínico”. Um drama trágico que reflete as mazelas humanas derivadas do cinismo e da famosa máxima do “levar vantagem em tudo”. Neste aspecto a temática é muito parecida com a peça “O homem da cabeça de Papelão” de João do Rio, mas um tanto mais dramática, visto que nesta “o cinismo” coloca-se em evidência a mordacidade, a inversão de valores e o descaso com o bem público e o apego às aparências e o status social. Neste sentido “o Cínico” é a expressão pejorativa por não respeitar os sentimentos e valores estabelecidos, onde o “fins justificam os meios”... O cínico é antes de tudo um indivíduo ou um sistema desprovido de pudor, desavergonhado, descarado, imprudente, impassível e obsceno.
A peça “O Cinico”, brilhantemente encenada pelo artistas paraminenses (há controvérsias) Rony Morais, Gustavo Coelho e Gleisson Dias, foi resultado da adaptação de alguns textos do jovem e talentoso escritor de Pará de Minas Flávio Marcus da Silva. Dentre estes textos vale destacar “Somos chiques mesmo, e daí?”, “A indignação de Dona Jaciara”, “Privada de ouro não fede menos” e “O Cínico”. Estes textos encontram-se publicados na coluna “Crônicas de um Patafufo” disponível no portal de notícias GRNews (www.grnews.com.br). Rony Morais e equipe fez a adaptação para o palco e colocou em evidência o sarcasmo e a insensatez de uma família desajustada, mas inteiramente embebida pela lógica capitalista de manter as “aparências” e todo e qualquer custo. Algumas cenas são bastante desconcertantes e nos convidam à reflexão: os apadrinhamentos sociais, o preconceitos e a reprodução sistêmica e desprovida de culpa de valores ditados pela “normalidade” social e a dificuldade de se romper com o sistema e a exclusão dos que tentam.  
Outro ponto forte da peça e que merece um destaque especial é a composição do cenário, que quase passa despercebido ao público, mas que é extremamente significativo. Simples, limpo, sugestivo. Em primeiro plano um conjunto de máscaras que apenas compõe o cenário, mas que o tempo todo está a nos dizer das “mascaras sociais” que assumimos no nosso dia a dia (mesmo sem perceber); um mão em cujos dedos repletos de adereços que praticamente não nos permite ver não só os dedos, mas a própria mão, representam os “penduricalhos” de uma vida de aparências. Ainda no primeiro plano está um reservatório de água, outro de terra e duas vasilhas para alimentar os cães. “Cães” estes bem explorados na peça uma vez que os “pobres” são tratados como cães a serviço do sistema. Mas que, ao mesmo tempo, são estes “Cães” que refletem como a realidade vivida por aqueles que se dedicam a reproduzir o sistema, e que também reforçam e sugerem o reforço do próprio sistema. Esses “cães” fazem uma alusão  à origem do “cinismo” enquanto corrente (presa ao pescoço de um dos cães) filosófica, que segundo alguns estudiosos, tem sua origem na palavra grega kýon (que significa "cão") e pelo fato de Diógenes de Sinope dormir no local que era usado frequentemente como abrigo para cães, para assim demonstrar o seu desacordo com o modo de viver dos homens.
No pano de fundo três grandes murais revestidos de jornais que serve de base para projeção de luz e da grafitagem de protestos (grafitar nossa própria realidade neles estampada). Três pequenos tablados representando situações emblemáticas do drama apresentado. Ao centro o “vaso sanitário” em alusão ao texto “Privada de ouro não fede menos” e ao lado outro tablado onde a socialite d. Jaciara concede sua entrevista. Neste tablado vem a estampa de um código de barras, mas que também faz alusão ao uma cela de cadeia ou de um presídio. São pequenos detalhes que precisaria “ver de novo” para uma nova releitura. No entanto, fica a sugestão de um trabalho de análise e reflexão com o público escolar, visto ser um tema atual e crítico e que expressam, de certa forma, a realidade social atual.
E que o ideal do “cínico”, que é da indiferença perante o mundo, não se perpetue e que o inconformismo do jovem tenha espaço para se expressar, seja na escola, seja no teatro, seja na rua. E que possamos refletir sobre a felicidade e “cadeia” a serviço do sistema, afinal, até que ponto “o trabalho dignifica o homem?!” Insistentemente perguntado pelos artistas, e que o nosso “vagabundear” seja uma expressão do “ócio criativo”.