sexta-feira, 25 de julho de 2014

A Síndrome das “Goiabas Bichadas”

Geraldo Phonteboa 

O que é uma “goiaba bichada”? Geralmente é uma fruta vistosa em sua aparência, capaz de despertar o mais puro desejo. Ao vê-la a saliva inunda nossa boca, o cheiro gostoso da goiaba madura povoa nosso olfato e ficamos inebriados pelo desejo de degustar o sabor da deliciosa goiaba. E, então, ao conseguir apanhar a vistosa fruta, travamos desesperadamente nossos dentes em sua casca, arrancando um grande naco, é aí que vem a surpresa desagradável, de uma poupa sem consistência, mole, suculenta e já com um odor pútrido, causando-nos repulsa e nojo. Este é o contraste que se apresenta. Por dentro o contrário do que se apresenta por fora. Isso porque a aparência externa deve ser atrativa, bela, empolgante, mas quando se conhece o interior, a essência, a intimidade, o que realmente importa, o que se encontra é o nada, a decomposição, o odor insuportável, a repulsa, a podridão.
Transportando, de forma metafórica, esta realidade de uma “Goiaba Bichada” para a sociedade temos, então, o que se define por “Síndrome das “Goiabas Bichadas”. E por que uma “Síndrome”?  Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que define as manifestações clínicas de uma ou várias doenças ou condições clínicas, independentemente das causas de sua origem que possam diferenciá-las.  Assim, enquanto síndrome, esta se manifesta de diversas maneiras e em diversos níveis, e com variações ao longo da história da humanidade. Havendo, portanto, inúmeras fases e maneiras de manifestar-se, desde as relações pessoais de menor monta, até as grandes relações financeiras, políticas e profissionais, esta síndrome é de difícil tratamento, e até então, possui pouca probabilidade de cura.
A forma mais comum de se manifestar é quando os indivíduos procuram criar uma aparência social aceita (do politicamente correto) sem, no entanto, revelar sua intimidade, ou sua real e verdadeira essência. Este projetos de aparência social podem alcançar níveis extremos e causar danos sociais incalculáveis, principalmente quando são assumidos por indivíduos que ocupam funções públicas de grande importância (médicos, políticos, sacerdotes, funcionários públicos,  personalidades artística, advogados, professores, etc), isso porque sua essência são cristalizadas com a aparência vistosa da casca brilhosa (geralmente expressas em palavras, projetos, promessas, etc) e, nesses casos, como suas funções públicas tem uma importância relativa, torna-se tão maior os danos de sua ação de aparência.
Por outro lado existem aqueles indivíduos que também sofrem da síndrome das “Goiabas Bichadas” e que não tem consciência que estão doentes. Sofrem de modo descabido com a falta de reconhecimento público. Lutam de modo dramático e desesperado para ser aceito, reconhecido e valorizado pela sociedade. Transfere todo o seu potencial e ideal de vida para obter este reconhecimento. Entram em depressão, passam a acusar a sociedade pela sua falta de sucesso, não reconhece a si mesmo como parte integrante da sociedade das “goiabas bichadas”. Suas obras e suas ações não são manifestação de sua essência, são apenas mecanismos que têm uma única função: buscar agradar a sociedade ou atrair a atenção da sociedade que ela deseja ser reconhecida. Vive em função da aparência social. No entanto, a forma encontrada para chamar a atenção desta sociedade não possui uma “aparência” tão vistosa utilizadas pelos demais membros da sociedade que, consciente dos bichos internos, criam uma polidez de relacionamentos mais aceitável e que congregam os demais indivíduos sociais através de uma rede de dependências e apadrinhamentos. No afã de querer agradar e de ser reconhecida, e não conseguindo, passam a criticar e questionar o status quo da própria sociedade e não dá conta de que, enquanto, fazem tal crítica e questionamentos torna sua aparência menos vistosa e por isso menos aceita pela própria sociedade. São, pois, tratadas como revoltadas, questionadoras, impertinentes, mal-amadas e, portanto, devem ser deixadas de lado. Enfim, quando estas pessoas morrerem ou se matarem, então suas produções poderão ser recuperadas e lembradas pela sociedade das “Goiabas Bichadas”, e quem sabe seus nomes serão eternizados em salas de artes, em espaços públicos (como praças, ruas, avenidas, prédios etc). E assim, a sociedade com síndrome das “Goiabas Bichadas” poderão penitenciar-se pela sua falta de capacidade de assimilar as diferentes manifestações dos interiores pútrefos das diversas “goiabas bichadas”.
Pois bem, esta é a reflexão desconfortável que a peça “Goiabas Bichadas” provocou em mim. Peça encenada no último dia 19 de julho, no teatro municipal de Pará de Minas, pelo jovem e promissor grupo de teatro Colibri sobre a direção de Rony Morais, que adaptou, para o palco, mais um texto do escritor paraminense (ou paraense de minas?) e meu amigo Flávio Marcus da Silva. Um brilhante espetáculo, que me deixou desconfortável em alguns momentos, tirando-me de minha “zona de conforto”, mas que ao mesmo tempo apontou-me realidades que geralmente julgava ser “natural” e que não são. Sei que Flávio Marcus não busca reconhecimento social e nem Rony Morais, afinal não escrevem textos para serem vendidos, nem fazem teatro esperando agradar sempre, mas fazem o que fazem para manifestarem suas essências. Pessoas comprometidas com uma sociedade mais justa e promova a dignidade da pessoa humana e não suas meras aparências. Não estão preocupadas ou ocupadas em serem aceitas pela sociedade das “Goiabas Bichadas”, mas pelas sociedades das “Goiabas Maduras e Saudáveis”. Agradeço ao Flávio Marcus pela brilhante reflexão, ao Rony Morais pela capacidade de adaptação do texto para o teatro e ao grupo de teatro Colibri pela digna interpretação de um tema difícil como este. Quem sabe uma dia encontraremos uma cura para a síndrome das “Goiabas Bichadas”, enquanto isso, vamos ao teatro... e busquemos refletir sobre nós mesmos... apesar dos desconfortos...