quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Empreendedorismo e Ética: o caso da cola voadora.


Provavelmente o título possa causar um pouco de estranheza ao leitor. Mas vou logo esclarecendo. O presente texto trata-se do relato de um fato ocorrido em uma sala durante uma aula de empreendedorismo e ética.  Este fato, no entanto, foi transformado em tema de uma aula sobre empreendedorismo e ética.  Mas vamos ao fato.

Estava em uma sala introduzindo o tema da aula, mas como o equipamento técnico necessário para a aula parou de funcionar e era preciso resolver aquele pequeno problema para dar continuidade ao tema, uma distração mínima foi o suficiente para que tudo ocorresse.  O fato teve início quando um aluno, na primeira carteira da segunda fila, pegou um tubo de cola branca que estava no chão e jogou-o rente ao chão para o seu dono, o antepenúltimo aluno da primeira fila. A falta de cálculo ou habilidade do arremessador, fez com que a cola fosse ao encontro do pé da aluna da carteira de traz, que alheia ao que ocorria, não teve dúvida, no impulso pegou a cola e jogou-a para frente, que atingiu o peito de um aluno que momentaneamente se levantara. Ao atingir o peito desse aluno a cola desviou, bateu no pescoço de um segundo aluno e foi parar no corpo de um terceiro aluno. Este por sua vez, sem o menor constrangimento pegou o tubo de cola e jogou-o aleatoriamente para o fundo da sala. Ao cair sobre a carteira de um aluno sentado na última carteira da quarta fila, este pegou o tubo de cola e o jogou com um pouco mais de força na direção do aluno que era o real proprietário daquele produto. Mas como a força foi excessiva a cola bateu na parede e o tubo se abriu e derramou cola pra todo lado, sujando a perna, o calçado do aluno e a parede da sala. Nesse momento, como professor, já estava retornando para dar continuidade ao tema da aula, e eis que já havia um pequeno tumulto organizado pela famosa “cola voadora”.  Mas como continuar o andamento da aula sem resolver o problema que se estabeleceu devido ao tubo de cola voadora?

Empenhei então em apurar o ocorrido e buscar uma solução para o problema instalado.  E como sempre ninguém quis assumir participação naquele fato. Pela negativa de todos os envolvidos a conclusão inicial foi que a “cola tinha vontade própria” e, portanto, ela tenha se dirigido para todos aqueles cantos da sala, passando por todos os alunos por livre e espontânea vontade.  Foi então, que resolvemos transformar aquele fato em tema da aula, a importância de assumir a responsabilidade de nossos atos quando se pretende agir com ética. Embora fosse necessário naquele momento apurar as responsabilidades dos envolvido no “tubo de cola voador”, afinal seria inconcebível um objeto ter agido por si só.  Então com o texto do material didático daquele dia propunha a frase racionalista do filósofo Reneé Descartes que diz “Penso, logo sou”, conduzi os alunos sobre a capacidade humana de pensar e as consequências possíveis deste pensar, não apenas em nossas ações pessoais, como também no próprio ato de pensar. E então, os alunos foram se envolvendo com o tema, e, cada um foi revelando suas versões sobre o fato ocorrido com o “tubo de cola voador”.  E, como professor fui percebendo e alinhavando os atos dos alunos envolvidos no trajeto do voo do tubo de cola. E assim, naquele diálogo entre professor e alunos, sem a preocupação em descobrir culpados, mas sim responsáveis, tudo foi se encaixando. 

A partir da reconstituição daquela trajetória, foi possível introduzir algumas reflexões sobre nossas ações impulsivas e sem nenhum planejamento, mas que, nem por isso, anulam nossas responsabilidades. Todos os alunos que reproduziram o ato impensado de jogar o tubo de cola, não consideraram outras possibilidades de se resolver o problema. Tomou a atitude pelo impulso e sem reflexão, abriu mão do ato de pensar e de planejar suas ações, mas ao mesmo tempo, ao se renunciar a capacidade de pensar sobre que decisões tomar, não se eximiram da  responsabilidade de seus atos. Este é o real sentido da ética: o agir com responsabilidade, mesmo que esta ação seja feita pelo impulso e sem a reflexão devida. Toda nossa ação gera responsabilidade. Se não formos responsáveis pelas nossas ações, por mais pequena que seja, banalizamos as grandes e jamais assumiremos compromissos éticos em nosso dia a dia.

Ao final, acredito que a apuração do fato, a identificação dos responsáveis pelo “tubo de cola voador” e a reflexão feita na sala, de alguma forma, retirou a questão da esfera da punição e a levou para a esfera da responsabilidade. A questão aparentemente foi ali resolvida, isso não significa que fatos como este não mais ocorrerão, mas caso ocorram os alunos, provavelmente, estarão mais dispostos a assumir suas responsabilidades e pensarão, com mais calma, sob as possibilidades de suas ações cotidianas.

 Educar nos dias atuais é muito mais que ensinar conteúdos, que fornecer informações, é trazer o cotidiano para a reflexão, para a análise. Transformar este cotidiano em momentos de aprendizado e de educação. Não é fácil, é sempre um desafio, é sempre um estar junto, administrando conflitos e atos de aparente indisciplina em momento de aprendizagem e reflexão.

E para encerrar, por que escrevo este texto? Muito simples, porque garanti aos meus alunos que iria relatar a “história do tubo de cola voador”, ocultando nomes. Faria isso porque a ética não se ensina só com teorias, mas ética se ensina com atitudes e com compromissos e responsabilidades cotidianas. E se quisermos empreendedores para o futuro, temos que ser empreendedores de nós mesmos assumindo pequenas e grandes responsabilidades, mesmo que eles sejam desafiadores e tenham consequência direta sob a minha pessoa.

 

sábado, 23 de fevereiro de 2013


 
Entre tantas possíveis e necessárias renúncias, uma renúncia.

O Brasil e o mundo, e não só os católicos, foram surpreendidos com a renúncia do Papa Bento XVI. Afinal não é para menos, o último papa a renunciar ocorreu em 1415. Tratava-se de Gregório XII que o fez mediante negociação no Concílio de Constança. Naquela época ocorria um grande cisma no ocidente, isto é, uma verdadeira crise religiosa, conhecida na história como Reforma Protestante. O Papa Gregório XII tinha 90 anos e sua renúncia foi a saída encontrada pela Igreja Católica para evitar que a crise religiosa se agravasse ainda mais.

Embora a Igreja Católica tenha enfrentado uma série de polêmicas internas e até mesmo questões doutrinárias desafiadoras nos tempos atuais, a realidade é muito diferente da vivida nos idos de 1415. Assim a renúncia do Papa Bento XVI merece uma apurada, criteriosa e prudente análise e mais ainda mais uma reflexão lenta e sábia que só o tempo será capaz de revelar com a verticalidade e a profundidade necessária.

A renúncia é sempre um ato pensado e uma decisão profundamente significativa. Se por um lado representa um gesto de responsabilidade e de despreendimento, pode ser entendido também como um ato profundamente pessoal. Por melhor assessorado que seja uma pessoa, o ato de renúncia tem implicações pessoais e é profundamente impactante na vida de quem o faz. Não se trata de um gesto com implicações somente pessoais, mas é sobre a pessoa quem a pratica é que tem maior impacto. Após a renúncia, em vários momentos, voltará à mente de quem renunciou a dúvida se tenha feito à coisa certa. Mas, com o passar do tempo esta dúvida cessará. O gesto continuará registrado na história e as análises e comentários sobre ele poderão não representar sua essência, as reflexões e as circunstâncias que levaram a tal decisão. Renunciar, no entanto, impõe sobre o renunciante uma enorme responsabilidade, visto que se torna um gesto que implica a criação de possibilidades imprevisíveis, tanto negativas (no sentido que os projetos não mais realização, pois o renunciante abre mão de um possível projeto que seria realizado por ele) como positivas (de outros projetos que se realização com a posse de outro). É dessas possibilidades que derivam a responsabilidade do ato de renúncia.

A renúncia aqui abordada foi assim anunciada ou justificada: “Após ter examinado perante Deus reiteradamente minha consciência, cheguei à certeza de que, pela idade avançada, já não tenho forças para exercer adequadamente o ministério petrino". O que se percebe é o confesso processo para a tomada de decisão, uma decisão consciente, espontânea e reflexiva. Um ato de coragem e que de alguma forma impõe a todos a reflexão e o ministério do cargo o renunciante. Assim poderia continuar tecendo este mísero comentário sobre a renúncia de um grande líder religioso (grande pela importância e pelo lugar da Igreja no mundo atual).

Mas gostaria de conduzir o leitor deste pequeno texto para os casos renunciáveis, isto é, para os brasileiros que necessitaria tomar a decisão de renúncia que faria tanto bem à nação, mas que não tem a coragem de fazê-lo. Penso assim em personagem de nosso mundo político, cuja renúncia poderia representar uma nova possibilidade para o nosso país. E não falo apenas de políticos do alto escalão, como José Genuino, do PT, que mesmo depois de condenado pelo Supremo Tribunal Federal teve a coragem de tomar posse como Deputado Federal, ou ainda o Senador Renan Calheiros com seu retorno à presidência do Senado, ou ainda do Senhor José Sarney que não “deixa o osso” por nada. Não falo somente desses, que certamente você pode concordar comigo, já deveriam ter renunciado a muito tempo.  Falo dos familiares (próximos, congênitos, não congênitos, amorosos ou não, afetivos, namoráveis, etc) de políticos, do executivo e do legislativo) que foram nomeados para cargos de confiança (com ou sem qualificação para tal). Estes deveriam, através de um gesto de coragem, renunciar seus cargos, mesmo a contragosto de seus políticos padrinhos. Esta renúncia, como eles sabem, seria mais que um ato de coragem, seria um ato de HONESTIDADE: abrir mão de um cargo, salários e status, seria um modo de dizer NÃO ao NEPOTISMO. Renunciar, nesses casos seria dá um tapa na face de tudo que está errado na vida política brasileira e seria uma bela saída, e mais, uma saída honrosa, tão digna como a do Papa Bento XVI, uma vez que nossos políticos não estão dispostos a renunciarem-se desta prática abusiva e  imoral de apadrinhamento político.

Que o exemplo de Bento XVI, ao renunciar, possa inspirar estas pessoas que ocupam cargos bem menores, mas que diante do que representa (NEPOTISMO) seria tão valoroso e digno para um país que merece dignidade e respeito dos que ocupam os cargos de gestão pública.