sexta-feira, 31 de janeiro de 2014


Uma viagem no tempo... no meu próprio tempo. (3ª parte)

Na segunda parte, publicada na semana passada, relatei algumas memórias do lugar onde vivi minha infância, lá onde vivi momentos alegres e tristes. Próximo a sede da fazenda em que morávamos ficava a sede da fazenda de meu avô. Era uma das propriedades mais avançadas da região. Tinha uma água, que movimentava um mojolo, um engenho, um moinho e uma pequena usina elétrica que beneficiava a fazenda. Lembro-me muito, e com muita saudade, de duas grandes atividades nesta fazenda: a produção de rapadura e a fabricação de farinha de mandioca e de pouvilho (azedo e doce).

A fabricação de farinha e de pouvilho ocorria nos meses de janeiro e fevereiro e a fabricação de rapadura nos meses de maio e junho. Nesses períodos era realizado um verdadeiro mutirão. Todos nós, inclusive a meninada tinha que ir para ajudar nas tarefas. Passávamos dias descascando mandioca (meu avô chamava de desmanche da mandioca). A atividade era feito em série, uma equipe ficava na colheita, outra no transporte, outra no descasque, outra na ralação e outra na torragem e secagem.

A mandioca era arrancada logo pela manhã. Enchia o carro de bois e levava a uma das cobertas da fazenda. Lá é que a maioria da criançada trabalhava. Com uma faquinha apropriada, tirava a casca fina da mandioca. A mandioca descascada era colocada em um balaio e levada ao tanque para lavar. Uma vez lavada a mandioca era levada para o ralinho(triturador) movido a água – lugar perigoso, proibido para as crianças. A massa de mandioca era então distribuída: uma parte era levada para os grandes “cochos” feitos de pau de uma arvora chamada “bilosca” onde a massa era mergulhada em água e ficava para azedar – depois de azedo esta massa ia para a secagem em grandes estruturas de esteiras de bambu, obtendo assim o pouvilho azedo; outra parte ficava depositada por um dia dentro da água para curtir, mas era tirada antes de iniciar o processo de fermentação, era colocada em uma prensa para retirar o excesso de água gerando assim o pouvilho doce; e a terceira parte da massa era direcionada diretamente para a prensa e de lá era conduzia aos grandes tachos para serem torradas que se transformava em farinha. Eram dias e noites de trabalho... e apesar de alguns cortes, era suavizados por café com biscoito, pipoca e peneiras cheias de mandiopã... posso até sentir o cheiro e o sabor... Quanta saudade!

Já o trabalho no engenho, geralmente nos meses de maio e junho, também se dava em mutirão. Um grande engenho movido por uma roda d’água onde a cana era esmagada. O caldo corria sobre uma canalização improvisada com casca de bananeira verde até a um grande tanque feito de alvenaria. Neste tanque a garapa descansava e as primeiras impurezas era retiradas. Depois de descansar a garapa (o caldo) era conduzida para os tachos para a fervura. Este caldo passa por quatro grandes tachos, cada tacho correspondia a uma etapa da fervura. Neste processo o excesso de água presente no caldo se evaporava e as impurezas eram retiradas. Depois de horas de fervura o caldo se transformava em um melado e se olhava o ponto colocando pequenas porções em água fria (quando se transformava em puxa-puxa – uma bala natural). Chegado ao ponto este melaço era levado às formas de madeira e então esfriava e cristalizava tendo como resultado a rapadura. As fornalhas eram alimentadas a lenha, e sempre que possível, com o próprio bagaço da cana, depois de seco.

É claro que o trabalho da criançada era mesclada entre o “fazer” e o “brincar”, onde ao “brincar” se “fazia”, e assim trabalho infantil não era visto como exploração, mas como momento de aprendizado e ao mesmo tempo de diversão. Talvez, por este motivo, lembro-me deste tempo como algo prazeroso e também com muita saudade. O engenho não existe mais. A sede da fazenda, também não, mas sua presença em minha existência será eterna.

Todo este trabalho se encerrava com uma grande festa! A festa de São João que era também o santo de devoção de meu avô que também de chamava João... Então, viva São João!

Esta “infância saudosa” busco expressar em versos como os de agora...

DESMANCHE DE MANDIOCA

Geraldo Phonteboa

Contos, memórias, cantigas

Antigas, distantes, presentes

Iluminam o ambiente

Enquanto a faca corre

Por entre minhas mãos

E no desmanche da mandioca

Tapioca, mandiopã,

Pipoca, biscoito de polvilho

Café quentinho feito na hora

No cantinho da casa… silêncio!

E o passar do tempo,

Trabalho, risos, gargalhadas,

Felicidade da roça,

Na dádiva do fruto

da terra, do encontro.

 

Saudades…

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