terça-feira, 25 de setembro de 2012


Para não falar da morte, nem dos mortos...

 

Talvez este texto seja publicado na Sexta-feira da paixão, ou talvez próximo a este dia... Mas isso não importa. Em minha família é tradição: Sexta-feira da Paixão é dia de silêncio – não se assobia, não se canta, não liga televisão, nem rádio, não escuta nenhum instrumento sonoro... tudo é silêncio... silêncio... silêncio... – E, por quê? Ainda posso ouvir a resposta de meu pai – “É o nosso jejum, em respeito à morte do filho de Deus”. Nunca entendi muito bem isso, quando menino. Hoje, não. Sinto falta desse silêncio!!! Mais do que isso, percebo a dificuldade de fazer esse silêncio... Então tenho feito esse sacrifício há alguns anos, ou seja, busco, na Sexta-feira da paixão, praticar o silêncio total... não só deixo de escutar os barulhos dos aparelhos eletrônicos, como procuro não fazer barulho que possam expressar alegria, cadências, ritmos... além de buscar não fazer barulho, procuro também fazer silêncio interior, meditativo, reflexivo...
E como é difícil!!!
Como Sexta-feira da paixão faço meu silêncio, quero hoje refletir sobre a morte e os mortos. Sei que não é dia de finados, mas é dia reverenciar a morte redentora do filho de Deus (para todo aquele que crê). E para falar sobre a morte e sobre os mortos, quero trazer para esta reflexão a morte de dois brasileiros, que apesar de suas fragilidades como seres humanos, ajudaram, de alguma forma, muitos brasileiros e enfrentar momentos difíceis em nossa história recente: dois mortos. Quero também clamar, neste dia, pela morte de algumas coisas em nosso país!
Os dois mortos são: Chico Anysio e Millôr Fernandes. Estes humoristas nos ajudaram, com sua arte, a atravessar o período negro do Regime Militar. Fizeram-nos rir, aguçaram nossa inteligência e fez-nos pensar em algumas possibilidades de elaborar uma crítica de nós mesmos. Millôr Fernandes, com sua intelectualidade e singeleza de traços expressou inconformismos, rebeldia, humor, gracejos... Chico, com seus personagens, povoou o Chico City (retrato do Brasil). Ao mesmo tempo, que falamos da morte destes dois grandes humoristas, que ocuparam horas e horas de homenagens nos canais de televisão brasileiras, esquecemos, por outro lado, das tragédias que continuam eliminando pessoas anônimas, e que pouco interessa à mídia televisiva. Estes mortos anônimos são vítimas da inoperância da justiça brasileira e de leis fracas que não protege o cidadão. Mortes que poderiam ser evitadas se não houvesse um sistema judiciário que privilegia a impunidade e o “jeitinho”. Assim, à minha maneira, os mortos Chico Anysio e Millôr Fernandes representam estes silenciados pela cultura de morte implantada em nosso país. E, por isso, sou obrigado a falar da morte...
Clamo pela morte da injustiça e da corrupção de nossos políticos. Não desejo a morte de nossos políticos, mas a morte do sadismo, da sacanagem, da ganância que gera a corrupção em grande parte de nossos políticos (Demóstenes Torres está demonstrando, atualmente, como isso funciona). Injustiça e corrupção são, a meu ver, as faces da morte em nosso país. A injustiça (entenda-se aqui a própria lentidão do sistema judiciário, a fragilidade das leis com todos seus recursos e brechas, a falta de vontade e compromissos de alguns promotores e juízes, etc), são expressões reais da morte em nosso país. Se antes, durante o período da ditadura militar não podíamos falar, o silêncio era obrigatório – não por respeito, mas por medo, – hoje podemos falar... mas muitos (nossas autoridades, principalmente) preferem silenciar-se perante a situação sistêmica da morte instalada na vida política e judiciária brasileira. E, diante deste tipo de silêncio (omissão), transformam todos os dias do ano em sextas-feiras da paixão, de um silêncio tão profundo (não reflexivo, vazio)... império da morte... morte sistêmica...
E neste meu silêncio(reflexivo, orante) clamo pela morte da injustiça e da corrupção... e CREIO que, um dia, haverá RESSURREIÇÃO para o nosso país!!!.

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