segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Itaúna: 111 anos... o que temos para contar e o que ainda não sabemos contar...


 

Geraldo Fonte Boa

Capela Nossa Senhora do Rosário, construída em 1750 dedicada a Senhora Sant'Ana.
A história de uma cidade, geralmente é contada a partir de sua emancipação política. O objetivo desta comemoração parte do pressuposto que a liberdade e autonomia administrativa é um acontecimento que deve ser considerado como elemento essencial para se rever o história do município. Este fato reside em um conjunto de valores em que os aspectos políticos e ideológicos são predominantes, visto que a ruptura política entre uma cidade sede e um de seus distritos, marcam de forma definitiva a administração e a organização da vida das pessoas que nesses espaços urbanos residem.


Sabemos, porém, que a escolha de uma data, e no caso da data emancipação político administrativo, é uma mera escolha para se comemorar o desenvolvimento urbano, uma mera convenção. Assim, por ser uma data aleatória, a comemoração do aniversário de uma cidade pode partir de outros marcos: a chegada dos primeiros habitantes de origem europeia, o confronto entre grupos étnicos e o predomínio de um sobre os demais, a presença de um determinado grupo na região, etc... tudo isso depende do que os moradores e as autoridades locais consideram como significativa na história do lugar.  Mas como se observa, a comemoração do aniversário da cidade será sempre um bom momento para contar e recontar a história dos antepassados. E o exercício do “contar e recontar” revelam dois grandes eixos de reflexão interessantes: o que temos para contar e o que ainda não sabemos contar.

Assim, o que temos para contar é aquilo, que de alguma forma, foi escrito por alguém e que foi considerado como uma história coletiva. Temos, então, no caso de Itaúna, o que nos contou, e, portanto, escreveu, o historiador João Dornas Filho. Sua história está registrada em duas obras que são consideradas referências para a história de Itaúna: a primeira “Itaúna: contribuições para a história do município” escrita em 1936 e “Efemérides Itaunenses” de 1951. Como vê, estas obras foram escritas há aproximadamente 50 anos depois da emancipação politico administrativo de Itaúna. Depois disso vários outros artigos sobre a história do município foram publicados, mas tomando como referencia a obras de João Dornas Filho.

Relendo tudo o que já fora dito, até então, sobre a história de Itaúna, provavelmente não temos como nos esquivar da história das famílias Gonçalves de Souza, Nogueira, Lima, Marinho, Camargos, Pereira, Corradi, Queiroz, Guimarães etc. Sem dúvida estas famílias foram importantes para o desenvolvimento econômico, social, político e cultural do município. Sobre estas famílias é
Matriz de Sant'Ana, construída em 1835 quando houve a troca dos oragos com capela do Rosário. Este templo foi demolido em 1934 para a construção do atual templo de Sant'Ana.
possível contar uma história e que de certa forma se misturam com a história do município. Mas as histórias destas famílias não abarcam a realidade da história do município, isso porque muitas outras famílias engendraram a história municipal e sobre tais famílias sabe-se muito pouco ou quase nada. É o que não conseguimos ainda contar.


O mesmo vale para os eventos culturais e sociais ao longo dos anos de desenvolvimento de nossa cidade. Muitos eventos culturais marcaram a vida da cidade, mas também não deixaram registros para a posteridade; muitas festas religiosas não foram registradas, ou seus registros se perderam, e assim foram construindo pontos escuros e ocultos à história do município.  Assim, temos a oportunidade de recontar a história e cada vez que fazemos este esforço, novos elementos podem ser revisitados e revelados...

Foi o que aconteceu, por exemplo, sobre o primeiro povoador de então Arraial de Santana de São João Acima. Inicialmente João Dornas Filho apontou Gonçalves da Guia como um dos primeiros povoadores da região. Guaracy de Castro Nogueira em pesquisa revisional comprovou que o primeiro povoador era Gabriel da Silva Pereira, Tomás Teixeira e Manuel Pinto de Madureira. No entanto, este trabalho revisional confirma a ereção da atual Capela de Nossa Senhora do Rosário como marco da formação do arraial de Santana.. Esta capela, cuja provisão é de 1750, foi dedicada a Senhora de Santana até o ano de 1835, quando se efetuou a troca dos oragos da capela. Neste ponto há também pontos obscuros. Segundo João Dornas Filho, e reforçado por todos os historiadores posteriores a ele, que havia uma capela de nossa senhora do Rosário onde hoje se ergue o majestoso templo de Nossa Senhora de Santana. No entanto, na há nenhum documento ou registro fotográfico sobre esta capela. Nada que confirme sua existência a não ser a tradição. Nenhuma provisão para a sua construção, nem mesmo a autorização episcopal para se efetuar a troca dos oragos... e pelo visto este fato não vem sendo investigado.

Quanto ao ato político administrativo de emancipação o que podemos contar é o que João Dornas Filho registrou em “Efemérides Itaunenses” assim escreve:

“A história da criação do município de Itaúna remonta ao ano de 1891, quando o Sr. Dr. Augusto Gonçalves, então deputado estadual, declarou a Senócrit Nogueira:

- A Constituição do Estado determina que só se podem criar municípios de dez em dez anos. Foram criados agora Vila Nova, São Manuel e mais dois outros. Vamos trabalhar para que em 1901 possamos elevar o nosso distrito a sede do município.

Realmente, nesse ano de 1901 era retomada a ideia por ambos, e Senócrit Nogueira, então Presidente do conselho Distrital, apresentava a 24 de junho ao Congresso Mineiro, por intermédio do deputado José Gonçalves de Sousa, o pedido de criação do município... […]”

Senócrit Nogueira anexa junto ao seu pedido um histórico detalhado sobre o distrito, apontando suas potencialidades econômicas, culturais e humanas, enquanto que então chefe político do distrito Dr. Augusto Gonçalves encaminhava ao Presidente da Província Silviano Brandão uma representação em que apresentava os principais recursos do distrito e de suas plenas condições para ser elevada à condição de sede do novo município. Esta mesma representação foi também encaminhada à Câmara dos Deputados Provinciais em 14 de junho de 1901.  Esta representação juntamente com o pedido de criação do município foi encaminhada para uma comissão mista incumbida de analisar  a reorganização judiciária do Estado no dia 25 de julho.

E assim continua João Dornas Filho “…Enquanto essa Comissão estuda a representação, em Santana a Comissão de Criação da vila, composta pelos Srs. Dr. Augusto Gonçalves, Senócrit Nogueira e Josias Nogueira Machado, convocava uma reunião de pessoas gradas, destinada a escolher o nome que se desse ao novo município.

Prédio da Antiga Estação Ferroviária, construído em 1917, e que atualmente abriga o Museu Antropológico e Etnológico Francisco Manuel Franco
Depois de acaloradas discussões, o padre Antônio Maximiano de Campos propôs que a Vila se chamasse Burgana (burgo, povoado de Ana), em homenagem à padroeira do arraial. Não foi aceita a indicação, e o major Senócrit Nogueira propôs o nome de Brasilina, que seria o adotado se a Comissão Mista, composta, entre outros, do deputado José Gonçalves e do senador Pe. João Pio, não tivesse escolhido Itaúna (pedra negra), em virtude de terem essa particularidade as rochas do lugar.


E, por força da Lei nº 319, de 16 de setembro de 1901, foi criado o município de Itaúna.

Estava, assim, vencida a batalha na qual se empenharam denodadamente os Drs. Augusto Gonçalves, Senócrit Nogueira e Josias Nogueira Machado.”

Esta é a história, que ainda hoje é a história oficial do município de Itaúna. Ao recontá-la há se destacar que em momento algum João Dornas Filho apresenta documentos que comprove esta reunião e a síntese destas discussões. Não há estes documentos? Talvez não. Segundo as notas de rodapé, João Dornas Filho escreveu a partir dos relatos orais de Senócrit Nogueira e, provavelmente, não tenha havido a elaboração de atas de reunião, ou mesmo cópias dos documentos enviados aos órgãos oficiais do Estado.

E a trajetória do município ao longo destes 111 anos? Muito já foi escrito, mas muito há por escrever e cabe a cada cidadão contar um pouco de sua história e de como é percebidos os momentos fortes da vida coletiva. A história de uma cidade não é a somatória das histórias individuais, mas o relato dos fatos coletivos que nortearam e promoveram o desenvolvimento de seus habitantes. Suas manifestações significativas, seus posicionamentos e a reafirmação de seus valores. Novos agentes surgem a todo tempo, e cada novo tempo um momento novo e uma história nova para ser registrada e contada.

 

Fontes:

DORNAS FILHO, João. Itaúna: Contribuição para a história de Itaúna. Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1936.

DORNAS FILHO, João. Efemérides Itaunenses. Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1951.

FAGUNDES, Osório Martins. Fragmentos de um passado. Belo Horizonte: Minas Gráfica Editora, 1977.

NOGUEIRA, Guaracy de Castro. Itaúna em detalhes -  Enciclopédia ilustrada de Pesquisa. Itaúna: Jornal Folha do Povo, 2003.

SOUZA, Miguel Augusto Gonçalves de. História de Itaúna. Belo Horizonte: 2008. Vol. 1 e 2.

 

 

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