quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

SEMEADURA


Geraldo Phonteboa

Sobre um chão duro e seco

Como se feito de pura pedra

Nele lancei sementes.

Não criei expectativas,

Deixei sonhos correrem soltos

E segui caminho incerto.

 

Tempos depois de andanças

Naquele lugar não vi mais

Chão seco e duro...

Não reconheci as flores do lugar

Pensei em outra paragem.

Os sonhos não eram só meus.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

E A LEITURA DE ÚRSULA?

Geraldo Phonteboa

Então, lestes Úrsula?! É um romance ou um drama? Embora a história seja um romance, a história do amor de Tancredo e Úrsula e que, provoca em Fernando P., os mais cruéis sentimentos e ações.

Mas a história é dramática. Costurada de descrita de uma forma tão intensa que o leitor vai sendo levado pelo sentimento de ódio e rancor, e por fim lamenta pelo final escolhido pela autora. E como as coisas terminam sou levado a pensar no Drama como estilo. Convenhamos, é um verdadeiro drama de Úrsula – “pobre Úrsula”.

A história principal é a história deste amor. Do amor de uma donzela, branca, que vivi como “objeto” do amor de dois homens brancos, senhores de escravos e pertencente a elite do Maranhão. Este é a história que conduz toda a obra de Maria Firmina dos Reis.

No entanto, há mais duas histórias que se fazem presente nesta história dramática que a torna ainda mais dramática: a história de homens e mulheres escravizados e a história das mulheres colocadas como “objetos” das vontades dos homens.

A obra de Maria Firmina dos Reis é mais que uma denúncia da existência desses dois dramas, é sim um posicionamento consciente, decisivo e decisivo.  Existem algumas passagens em que estes dois outros dramas são claramente tematizados.

Quanto a infame existência da escravidão, a autora, diz

Senhor Deus! Quando calará no peito do homem a tua sublime máxima – ama a teu próximo como a ti mesmo –, e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu semelhante!... Àquele que também era livre no seu país... Àquele que é seu irmão?

E o mísero sofria; porque era escravo, e a escravidão não lhe embrutecera a alma; porque os sentimentos generosos, que Deus lhe implantou no coração, permaneciam intactos e puros como a sua alma. Era infeliz, mas era virtuoso; e por isso seu coração enterneceu-se em presença da dolorosa cena, que se lhe ofereceu à vista. (pág. 21)

Aqui a autora busca o próprio evangelho ou princípio religioso para interpelar pela crueldade da escravidão, incompreensível racionalmente, mas que acaba por embrutecer a alma, não só dos negros, mas também dos brancos.

Em outra passagem quando Túlio é interpelado para revelar seu nome e condição ao desconhecido Tancredo, ele assim afirma:

— A minha condição é a de mísero escravo! Meu senhor – continuou – não me chameis amigo. Calculastes já, sondastes vós a distância que nos separa? Ah! O escravo é tão infeliz!... Tão mesquinha e rasteira é a sua sorte, que... (p.24)

E aqui, a autora ainda chama nossa atenção para o próprio posicionamento de Túlio, que não se vê na condição de ser digno de ser chamado de amigo, por ele ser escravo. Ou seja, a situação de escravidão impossibilita-se de qualquer aproximação de indivíduos que ocupam papéis sociais distantes e distantes.

E por fim, neste drama da escravidão presente na obra “Úrsula”, destaco mais uma passagem que ocupa um papel de denúncia ao drama da escravidão. Assim diz a autora:

Tu que não esmagaste com desprezo a quem traz na fronte estampado o ferrete da infâmia! Porque ao africano seu semelhante disse: — És meu! – Ele curvou a fronte, e humilde, rastejando qual erva, que se calcou aos pés, o vai seguindo? Porque o que é senhor, o que é livre, tem segura em suas mãos ambas a cadeia, que lhe oprime os pulsos. Cadeia infame e rigorosa, a que chamam “escravidão”?!... E, entretanto, este também era livre, livre como o pássaro, como o ar; porque no seu país não se é escravo. Ele escuta a nênia plangente de seu pai, escuta a canção sentida que cai dos lábios de sua mãe, e sente, como eles, que é livre; porque a razão lho diz, e a alma o compreende. Oh! A mente! Isso sim ninguém a pode escravizar! (p.34)

 Aqui vem a questão: quem deu ao branco do direito de escravizar o negro? E a escravidão o que é? A cadeia infame e rigorosa. E este posicionamento da autora se faz presente ao longo de todo romance/drama de Úrsula. Está presente no tratamento dado pelo comendador Fernando P. aos seus escravos, ou ainda na história e trajetória de “Suzana”.

Agora vamos ao outro drama. O drama vivido pelas mulheres, brancas ou não, que são consideradas “objetos” dos desejos e das vontades dos homens. Tendo inclusive seus destinos definidos por eles. A tal ponto que elas são incapazes de se libertar. Em várias passagens as vontades das mulheres são dominadas pelas forças, pelo desejo e pelo tratamento dispensado pelos homens. E mesmo quando estes homens manifestam seu amor por uma mulher o fazem como uma forma de justificativa de seu domínio sobre elas. Mas como citei algumas passagens no caso do drama da escravidão, devo fazer o mesmo aqui.

A primeira formada de sexismo, apontado pela autora, está na própria cultura masculina daquela sociedade, em que o homem tem a capacidade de colocar as mulheres em situação de completa exposição social. Diz assim a autora:

Oh! O sol é como o homem maligno e perverso, que bafeja com hálito impuro a donzela desvalida, e foge, e deixa-a entregue à vergonha, à desesperação, à morte! E depois, ri-se e busca outra, e mais outra vítima! A donzela e a flor choram em silêncio, e o seu choro ninguém compreende! (pág.19-20).

Já em outra passagem é apresentada uma segunda forma de sexismo, ainda tão presente atualmente, que é a figura paterna e seu tirocínio sobre sua esposa e sua prole. Assim diz a autora:

É que entre ele e sua esposa estava colocado o mais despótico poder: meu pai era o tirano de sua mulher; e ela, triste vítima, chorava em silêncio, e resignava-se com sublime brandura.

Meu pai era para com ela um homem desapiedado e orgulhoso – minha mãe era uma santa e humilde mulher.

Quantas vezes na infância, malgrado meu, testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de louca prepotência, que revoltavam! E meu coração alvoroçava-se nessas ocasiões, apesar das prudentes admoestações de minha pobre mãe. (p.43)

A grandiosidade desta obra é muito atual e merece ser lida e levada aos alunos do ensino fundamental e médio. Não por ser uma história escrita por uma mulher negra, mas por ser uma obra que tece as teias de nossa identidade. Por este motivo convido você leitor a ler também “Gupeva” e poemas desta grande escritora: Maria Firmina dos Reis.

E para terminar, deixo aqui uma estrofe do poema “Súplica” desta grande autora:

Dá, Senhor, que breve passe

Sobre a terra – o meu viver;

Bem vês, a flor desfalece

Da tarde no esmorecer;

Entretanto a flor é bela,

É bela de enlouquecer. [...]

 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

MARIA FIRMINA DOS REIS

 Por Geraldo Fonte Boa

Ilustração tirada do site: https://mondru.com/book-author/maria-firmina-dos-reis/ 
a quem registro os créditos.

Mulher, negra (o que vem primeiro, não sei, não sei), professora, escritora, ficcionista e poeta, maranhense, brasileira. O que mais se pode dizer desta mulher que, apesar de todos esses substantivos, não é capaz de a definir, a delimitar, ou ainda a abranger.

Maria Firmina, nasceu na cidade de São Luís do Maranhão, aos 11 de março de 1822, - filha da mulata forra Leonor Felipa dos Reis e do comerciante João Pedro Esteves -, e ficou encantada em 11 de novembro de 1917, quando morava na pequena Guimarães, também no Maranhão. Maria Firmina se definia como negra e bastarda. Mas era sua condição social não a limitava ou a impedia de fazer e ser o que quisesse ser. Tornou-se professora de primeiras letras na comarca de São José de Guimarães, e se fez da palavra e pela palavra. A palavra era seu ofício, e pela palavra levantou a bandeira contra a situação social do negro e, principalmente, da mulher negra.

A obra de Miria Firmina traz a palavra usada como espada para abrir a sociedade brasileira para se perceber o racismo, o preconceito e a discriminação. De maneira sutil, singela e leve, Maria Firmina diz o que tem a dizer e, ao revelar a realidade das senzalas, revela detalhes da formação da sociedade brasileira, que ao longo do século tentam camuflar, silenciar, apagar.

As espadas e facas utilizadas por Maria Firmina para cortar, retalhar e fazer vir à luz a realidade do interior da sociedade brasileira de seu tempo é a ironia, a metáfora e a sutilidade. E a forma elegante que usa de sua ficção, envolve o leitor e o leva para ver a sociedade por dentro, destacando o sexismo, a violência, o preconceito, o lugar de mando do homem branco, e vai, por dentro, fazendo com que o leitor rasgue as entranhas desta sociedade até chegar ao quase desespero irônico. Por isso seus escritos são comparados com a genialidade de Machado de Assis, Castro Alves, ou um Cruz e Souza, ou ainda Lima Barreto. Mas vejam, nenhum desses homens podem ser comparados a ela, devido ao seu lugar de fala. Ou seja, o lugar da palavra.

Maria Firmina fala a partir da senzala. A partir de sua vida como mulher negra. Deste pertencimento. É a partir deste lugar que a voz de Maria Firmina dos Reis ecoa e alcança todo o território brasileiro no final do século XIX. E hoje, gerações inteiras nunca ouviram falar desta mulher. Silenciaram-na.

A obra de Maria Firmina está esquecida, como a obra de várias outras mulheres de seu tempo, como Júlia Lopes de Almeida, Chiquinha Gonzaga e tantas outras. Mas abrir o livro, Ursula, pode ser um bom começo para resgatar e trazer aos nossos dias a sutiliza, a ironia e o debate de temas ainda tão necessários como o preconceito, o racismo e principalmente o sexismo. No entanto, não podemos esquecer de outro aspecto de sua existência, da existência de Firmina para além da escrita: o “ser-mulher”, o “ser-negra” e o “ser-educadora”.

 Talvez estes aspectos de sua existência possam ser iluminados pela sua literatura, pelas suas palavras. O “ser-mulher” vai além do sexismo e ao mesmo tempo o condena; o “ser-mulher” é o construir-se enquanto pessoa, que não precisa do “ser-homem” para se diferenciar ou construir-se. O “ser-negra”, da mesma forma e com a mesma intensidade, assumindo seu lugar no mundo e na história, e construindo-se a si mesma a partir desta identidade. E, finalmente, o “ser-educadora” que aponta para a necessidade de recolocação desta profissão no centro da sociedade brasileira.

Maria Firmina dos Reis ainda se encontra à margem da tradição literária brasileira, apesar de seu talento magnífico, que se colocou a serviço da problematização do lugar da mulher e do negro, não só do Brasil do final do século XIX, mas ainda no Brasil atual. Então, resgatar a necessidade de ler Maria Firmina dos Reis é possibilitar um diálogo “irônico”, sutil e realista de outras camadas sociais que hoje se encontram à margem da sociedade.

Vamos à leitura de “Ursula” para começar. Quem sabe assim possamos trazer sua voz e sua palavra como meio de conhecer a nós mesmos.

Pode começar a ler... eu vou junto. E, depois, voltaremos aqui para conversar sobre quais palavras de Maria Firmina encontraram ecos em nós.

Vamos lá. 

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

História da Gente Brasileira

Obra primorosa de Mary del Priore, a coleção "História da Gente Brasileira" é um mergulho na história que não aparece nos livros didáticos das escolas brasileiras. Uma história do cotidiano... dos hábitos... dos costumes... do fazer miudinho... da comida... das roupas... do modo de produzir o dia a dia... das técnicas produtivas... dos cantos de trabalho... Nesse sentido, esta coleção, dividida em 04 volumes, deveria estar entre as leituras prediletas de nossa gente, pois é um encontro consigo mesmo. Vale a pena ler!!

Com todos os créditos transcrevo abaixo um pequeno trecho tirado do volume 1 desta coleção, onde retrata o cotidiano das cantigas de trabalho dos homens e mulheres escravizados - os vissungos. Veja que maravilha...

" Em Minas Gerais, os ares das fazendas onde ainda havia mineração associada à lavoura eram embalados por cantigas de trabalho dos escravos. Esses cantos eram chamados de “vissungos” – alguns adaptados às fases de trabalho nas minas, outros parecendo cantos religiosos ajustados à ocasião. Conta-nos Aires da Mata Machado Filho que os negros no serviço cantavam o dia inteiro. Antes mesmo do nascer do sol, dirigiam-se à lua, em cantigas de evidente teor religioso. Pela manhã, entoavam um Pade Nosso, pedindo a Deus e Nossa Senhora que abençoassem seu trabalho e comida: “Otê! Pade Nosso cum Ave-Maria, securo câmera qui t’Anganamzambê, iô...”. A seguir, o cantador mestre acordava os companheiros: “Galo cantou, rê rê/ Cacariacou/ Cristo nasceu/ Galo já cantou”. À lua era pedido que “furasse o buraquinho do dia”: “Ai! Senhê!/ Ô... ô imbanda, combera ti, senhê”. Ao meio-dia, o cantador avisava à mulher de serviço que o sol ia alto: era hora do almoço: “Andambi, ucumbi u atundá...? Sequerende...

[...] Para ajuntar terras nos montes, apressar a marcha do cavalo, avisar sobre o encontro de um diamante, falar “língua de branco”, enterrar os mortos, ironizar o mau alimento que lhes era servido, alertar sobre fogo nos campos, perseguir a caça no mato, fugir para os quilombos, lembrar os pais, pedir uma roupa nova, contra os feitiços – enfim, para tudo –, cantavam os cativos. Os “vissungos” eram parte importante do cotidiano das fazendas, e sua música marcava o ritmo dos trabalhos e dos dias, informando sobre o que se passava. Durante o trabalho das fiandeiras e capinadores da roça, e no mutirão de construções, outros cantos enchiam as serras mineiras. Cantava-se até para reclamar do frio: “Auê/Duro já foi senguê”. Ou pedir chuva: “Ongombe coi i pique.”  Os escravos cantavam em todas as ocasiões possíveis. Embora tais coleções de música não tenham sobrevivido, há informações sobre a capacidade que tinham os cativos de improvisar com palmas e vozes. A dança vinha junto: “Assim que dois ou mais começavam a dançar, outros se juntavam ao grupo”, com “todas as variedades concebíveis de contorções e gesticulações”, segundo observou o viajante inglês Robertson. Nas senzalas ou nos zungus, pontos de reunião espalhados pela cidade, não faltavam os batuques, que muitos estudiosos percebem como o berço do samba. Duelos de trabalho, notadamente entre as raspadeiras de mandioca, que se desafiavam sentadas nas tulhas e casas de farinha, eram outra maneira de se divertir trabalhando. Nas horas vagas, nas fazendas e engenhos ou na cidade, cativos se dedicavam à feitura de belos objetos funcionais, religiosos e decorativos. Os urdidos com fibras naturais eram os mais comuns: esteiras, cestos, chapéus de palha e capas. Na tecelagem decorativa, os angolanos se revelavam artistas excepcionais.” (Mary del Priore, História da gente brasileira - Colônia, 2022, p. 203-204)







domingo, 25 de agosto de 2024

O Silêncio de meu pai

 O poema “O Silêncio de Meu Pai”, escrito pelo professor Phonteboa e incluído no minilivro “Presença Paterna” – uma obra de dimensões singulares (2,6 x 3,4 cm) e fonte no tamanho 4,5 –, é uma peça literária cuidadosamente elaborada para "afetar" profundamente seus leitores. Lançado em 2024, este minilivro, apesar de seu formato diminuto, revela-se grandioso em cada palavra, ampliando-se em significado à medida que o leitor mergulha na mensagem que o autor pretende transmitir. Phonteboa destaca que cada um tem seu próprio jeito de se tornar presente, e é precisamente essa presença silenciosa que o poema captura com maestria.

O poema explora a profundidade e a complexidade do silêncio como um meio de comunicação poderoso e, muitas vezes, subestimado. Através do silêncio do pai, o eu lírico experimenta uma conexão íntima e profunda que vai além das palavras. Este silêncio é apresentado não como ausência, mas como presença repleta de significados e sentidos, algo que ocupa "todos os espaços" do ser do filho, desencadeando reações e reflexões profundas.

A insistência em falar, por parte do filho, pode ser vista como uma tentativa de preencher um vazio que, na verdade, não existe, pois o silêncio do pai já está pleno de significado. Isso reflete a dificuldade humana em aceitar e compreender o silêncio como uma forma legítima e rica de comunicação, especialmente em uma sociedade onde o falar é muitas vezes mais valorizado que o ouvir.

À medida que o poema avança, o silêncio do pai adquire uma dimensão transcendente. Torna-se "uma pausa no barulho do mundo", um momento de introspecção e busca por novos significados, novos pensamentos. É neste ponto que o silêncio se transforma em eternidade – quando o pai se vai, seu silêncio permanece como um legado, algo que agora o filho compreende em sua totalidade.

O desfecho do poema é especialmente tocante. O eu lírico, ao perceber a eternidade do pai no silêncio, cala-se, indicando que finalmente compreendeu e aceitou o poder desse silêncio. O silêncio do pai não é mais algo a ser preenchido ou rompido, mas respeitado e honrado.

Em termos literários, o poema utiliza a repetição do verso "O silêncio de meu pai" para enfatizar a centralidade dessa ideia na vida do eu lírico. O uso de paradoxos, como "o silêncio que comunica" e "o silêncio que ocupa todos os espaços", reflete a complexidade do tema e a rica ambiguidade do silêncio como uma forma de expressão.

No geral, o poema é uma reflexão profunda sobre a comunicação não-verbal, o legado dos pais, e a transformação do silêncio em um espaço de memória e conexão espiritual. É um convite à introspecção e à valorização dos momentos de quietude, tanto na vida quanto na morte. O professor Phonteboa, com sua obra pequena em dimensões físicas, mas imensa em profundidade emocional, nos lembra que a presença se manifesta de formas diversas e que o silêncio, muitas vezes, é a mais eloquente delas.

O SILÊNCIO DE MEU PAI

O silêncio de meu pai era repleto de significados ...
Estava ali ao meu lado por um longo tempo sem pronunciar som algum
E como comunicava ...
O silêncio do meu Pai ocupava todos os espaços de meu ser
E provocava em mim reações descabidas
E eu insistia em falar...
E não ouvia plenamente o silêncio de meu pai.
O silêncio de meu pai
Era uma pausa no barulho no mundo
Era uma busca de um novo sentido
De um novo momento
De um novo pensamento.
O silêncio de meu pai
É, agora, eterno.
E, então, percebo que meu pai tornou-se eterno
No próprio silêncio que era o silêncio de meu pai.
No silêncio de meu pai
Calo-me.

Texto de Charles Aquino

Publicado originalmente no Blog "Itaúna Décadas"

https://itaunaemdecadas.blogspot.com/2024/08/o-silencio-de-meu-pai.html


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012)

Por Phonteboa

Não conheci Bartolomeu. Encontrei-me com ele de forma informal e à distância. Isso ocorreu em um evento realizado em Pará de Minas no ano de 2009. Na época eu estava na função de Diretor da Faculdade de Pará de Minas e a Academia de Letras de Pará de Minas organizou um encontro com Bartolomeu em um auditório do Sindicato Rural de Pará de Minas. Nesse dia, após sua fala, Bartolomeu recebeu o diploma de Acadêmico Honorário da Academia de Letras de Pará de Minas. Lembro que foi uma solenidade muito simples, mas muito significativa. Como não o conhecia, não consegui, na época compreender o tamanho deste escritor. Não conhecia sua obra, nem mesmo quem ele era de fato.

O tempo passou e Bartolomeu ficou alí em minha memória, como uma pessoa importante, mas que não sabia de sua importância. Veja, não me leve a mal, eu não tinha noção de quem era ele. Não havia lido nada desse escritor. Pouco tempo depois, recebi a notícia de que Bartolomeu havia falecido[1] e pensei assim comigo: Bartolomeu, por ser um escritor, assim como dizia Guimarães Rosa, “encantou-se”. Isso porquê, para mim, todos os escritores, sem distinção, “ficam encantados”, não morrem nunca. Esta criação de João Guimarães Rosa é magnífica! Seu corpo desaparece, sua presença física ausenta-se. Mas suas ideias permanecem em seus escritos e depende unicamente da iniciativa de alguém que leiam suas palavras. Assim que estes escritos são lidos, o escritor se revela e sua dimensão de “encantamento” aparece.

Não busquei conhecer sua história, não li suas obras por anos. E mesmo sendo membro da Academia de Letras de Pará de Minas, tinha tantos outros projetos, tantos outros envolvimentos e Bartolomeu, melhor, suas obras, não provocaram em mim mobilização. Sabia de sua existência, mas isso não provocava a minha curiosidade ou a devida atenção. Ele estava “encantado”, e eu não percebia este “encantamento”. Até que um dia, em uma de nossas reuniões da Academia, o assunto sobre o cuidado com as obras dos membros da própria Academia, ou seja, “nós não nos lemos”. Convivemos com escritores e não conhecemos os seus escritos e as suas obras. E dentro desta conversa despretensiosa, mas séria, veio a constatação de que todos os nossos acadêmicos honorários já eram falecidos e que caberia a Academia fazer uma homenagem a eles, e mais que isso, conhecer suas obras. Foi neste momento que me propus ler Bartolomeu.

Pesquisei sobre ele, busquei algumas de suas obras. Visitei bibliotecas públicas e até mesmo escolares. Juntei material sobre ele, e comecei a ler sobre ele. E agora apresento-lhes este Bartolomeu “encantado”, ou melhor este “encantamento” que este “encantado” escritor tem provocado em mim. Trata-se de um insignificante diante da grandeza deste escritor “encantado”, mas é um começo.

Não pretendo fazer uma biografia, mas apontarei pequenas passagens de seus escritos que considerei importantes para conhecê-lo. E assim ele se apresentou a mim ao dizer nasceu “com 57 anos”, sendo “34 vindos de seu pai, cheio de amores duvidosos e desejos escondidos, e 23 de sua mãe, marcados com traições e perdas”. E que desenvolveu, por herança, “a capacidade de associar amor ao sofrimento.” E, a partir desta herança, é que pode perceber a pequena cidade em que nasceu enfeitada de rezas, procissões, novenas e pecados”, mas que também possuía o sabor de “laranja-serra-d’água”, “onde” sua “solidão já pressentida era tomada pelo vigário, professora, padrinho, beata, como exemplo de perfeição.” Foi nesta “solidão pressentida”, pois também por herança, seu pai “não passeou” com ele “montado em seus ombros”, e nem sua mãe “cantou cantigas de ninar” para lhe “trazer o sono”.

O que gostaria, no entanto, de destacar é seu jeito de ver o mundo de sua infância, costurada pela fantasia, isso por que para Bartolomeu “a infância é o lugar que jamais poderei estar a não ser pela fantasia” que para mim, revela como nós lidamos com a memória que fazemos do que vivemos. E nesse sentido, a memória é outra categoria magnífica em Bartolomeu. Para Bartolomeu a memória é um grande patrimônio que temos, pois “a memória tanto guarda o que a gente viveu como guarda o que a gente sonha” e esta memória, na visão dele, encontra diálogo na literatura. Para Bartolomeu é com “a literatura, esse mundo sonhado consegue falar”. E assim, usando de sua literatura Bartolomeu fala de sua infância, costurada com a fantasia, pois, para ele “a criança está lá em realidade”, mas o que escrevemos nem sempre é esta realidade, mas é a possibilidade de uma outra realidade, uma realidade plena de outros sentidos e significados.  Mas para estabelecer este “diálogo” com a infância através da literatura, para que ele seja apurado e profundo é preciso silêncio. Para Bartolomeu “conversar com o silêncio é uma coisa fascinante. Vivemos em uma sociedade em que o silêncio está interditado. As pessoas falam o tempo inteiro. [...] É um mundo que fala o tempo inteiro. Não conversamos com o silêncio. E quando a gente escuta o silêncio a gente tem muita resposta.”

E sobre este silêncio, encontrei em “Antes do depois” passagem magníficas e aí percebi, que o “silêncio” não era apenas uma categoria, mas uma prática; um meio pelo qual Bartolomeu mergulhava em sua memória de menino para dialogar com sua infância. O silêncio aparece de forma decisiva e poderosa. Era “preciso de pedacinhos de silêncio para dar fôlego às dores” (p.8), ou ainda era preciso engolir o choro, “para não invadir o silêncio do quarto meio escuro, como se tudo estivesse em eterno crepúsculo” (p.11). Ou ainda o “silêncio não tem sombra para camuflar as coisas. Silêncio desconhece fronteiras. O silêncio pode engolir até pessoas (p.12), mas ao mesmo tempo, o silêncio era um lugar onde ele “guardava o amor”. (p.23). E o mais surpreendente é que “no meio do silêncio vive todo tipo de ruído. Ninguém nunca escutou o silêncio. O que mais corta o silêncio é a palavra” e ela, a palavra, “se perde entre silêncios” (p.23).

Não sei se o leitor conseguiu observar, que Bartolomeu faz um “queba-cabeças” de ideias e dá outros sentidos às palavras[2]. E esta habilidade só consegue que conhece o mistério que as palavras escondem. E talvez por isso, o escritor consegue imaginar esses mistérios das palavras e assim alinhava uma a uma de outros jeitos. Mas isso só é possível pelo silêncio. E quando, mergulhado neste silêncio, o escritor consegue construir frases carregadas de mistérios que desafiam o nosso pensar. Hoje o Bartolomeu que aprendi de seus livros, de modo particular de “Indez”, “Por parte de Pai”, “O olho de vidro do meu avô” e de “Antes do depois” revelam a intimidade deste fabuloso escritor com as palavras, e esta intimidade chega a nos tirar o fôlego, e requer tempo e silêncios para ver além do olho. Ainda não sei se compreendo a literatura de Bartolomeu, não o conheço suficiente. Mas é um prazer conhecer gente assim, plena de encantamentos.  

Listas das obras de Bartolomeu Campos de Queiroz:

Por parte de Pai; Rosa dos ventos;  2 patas e 1 tatu; História em 3 atos; Onde tem bruxa, tem fada; Diário de Classe; Elefante; O olho de vidro do meu avô; Para querer bem; Tempo de vôo; De letra em letra;  Pedro;  ; Formiga amiga;  O guarda-chuva;  Anacleto;  Vermelho amargo;  Antes do depois;  O pato pacato;  Até passarinho passa;  Indez; Vida e obra de Aletrícia depois de Zoroastro; A Árvore;  As patas da vaca;  O peixe e o pássaro;  Mais como mais dá menos;  Mineração;  Ler, escrever e fazer conta de cabeça;  Antes e depois; Correspondência;  Faca afiada;  Raul luar;  A matinta perera;  Papo de pato;  Sei por ouvir dizer;  Ciganos;  ABC até Z;  A filha da preguiça;  De bichos e não só;  Para criar passarinho;  Nem te conto – volume 2;  O piolho;  Mário



[1] Bartolomeu nasceu em 25 de agosto de 1944 e encantou-se em 16 de janeiro de 2012.

[2] E aqui vale a pena ler a magnífica obra “Vida e obra de Aletrícia depois de Zoroastro” de Bartolomeu.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Nova obra nascendo... "Presença Paterna" - Minilivro

 Realizamos o registro de mais uma obra. Trata-se de um minilivro. E quando digo minilivro, estou falando apenas em suas dimensões: 2,6 x 3,4 cm. Isso mesmo, em centímetro. O tamanho da fonte é também proporcional às dimensões da obra, fonte no tamanho de 4,5 pontos. 


Além dos aspectos dimensionais, o que causa um primeiro impacto aos leitores, há também alguns aspectos artesanais que merecem ser destacados. Todos os livros são costurados à mão. Livro a livro. com um processo totalmente artesanal feito pelo próprio autor. Todo o projeto foi criado e desenvolvido pelo autor: 

  • criação do texto;
  • diagramação;
  • impressão;
  • corte;
  • dobras;
  • costura;
  • colagem
  • e montagem do livro.

A única parte da obra que foi feita por terceiros foi a impressão da capa, isso porque o autor não possui impressora colorida, nem máquina laminadora. Por isso foi terceirizada. O fato de ser um livro artesanal, não há limites de edição. Estão sendo feitos 200 exemplares para o lançamento. E depois serão feitos por encomenda.

Vamos então ao conteúdo. Trata-se de três crônicas e um poema. As três crônicas narram memórias de infância do autor. Abordam temas vivenciados - e aprendidos - com seu pai. Daí o título: Presença paterna. A primeira crônica a temática é a "Lavação do cruzeiro", uma prática da crença popular de jogar água do pé de uma grande cruz, geralmente erguida no meio do campo, em lugar alto. Acredita-se que ao jogar água do pé da cruz o período chuvoso é mais abundante e garante a produção para o sustento da família. E nesta mesma tendência, ocorre na segunda e na terceira crônica. 

Já o Poema é uma homenagem do autor à pessoa de seu pai, destacando o seus silêncio. Silêncio esse, que é "uma pausa no barulho do mundo". Com este conteúdo se preenche as 95 páginas deste minilivro.

Sem dúvida esta obra, impressiona pela dimensão, mas espera também impressionar pelo conteúdo.