Uma viagem no tempo... no meu próprio tempo.
Estou
sofrendo férias. Então resolvi não ir para o litoral, nem fazer uma viagem
longa que atendesse os reclames do sistema capitalista de gastar, gastar,
gastar e aumentar os índices de turismo do país. Nada disso. Resolvi curtir
minhas férias com atividades diferentes, fazer aquelas coisas que geralmente a
gente não tem tempo para fazer, ou quase nunca faz porque sempre temos pouco tempo, principalmente depois que o ano
letivo se inicia. Então resolvemos realizar algumas viagens para cada fim de
semana. Para onde? Para qualquer lugar... sem rumo... ou com um pouco de rumo,
mas sem muito planejamento.
Estas viagens
tinha, ou melhor ainda está tendo, pois ainda estamos no processo, dois
objetivos: conhecer lugares novos e rever outros lugares que a muito tempo não
via. Assim, andar por caminhos novos e velhos, ver novos lugares e velhos e, ao
mesmo tempo, experimentar um tempo novo, ou leituras novas de meu próprio
tempo. Neste fim de semana, voltei ao lugar de minha infância, realizei uma
viagem no tempo, no meu próprio tempo. Vi pessoas que a muito tempo não via,
conversei com outros que acabei de conhecer. Fui a lugares que há anos não
visitava.
Figura 1 - Grupo Escolar de Parreiras
- Município de Crucilândia
Resolvi
iniciar o trajeto pelo antigo prédio onde funcionava o grupo escolar rural onde
estudei, hoje abandonado. Mesmo depois de muito tempo, estava tudo lá. Um
pequeno gramado na frente, ao lado esquerdo ainda resiste alguns pés de goiaba,
destas goiabinhas do mato. Lembro que na hora do recreio era visitado por nós.
Por um momento ainda pude sentir a existência e a presença de meus colegas de
escola, correndo pra lá e pra cá. Eram duas salas de aula, multiseriadas. Uma
sala para o 1º e 2º anos, e outra para o 3º e 4º anos. Lembrei da cartilha em
que aprendi a ler, quase cantando, recitávamos as poesias “Minha enxadinha,
trabalha bem, corta matinho, num vai e vem”... e aquela outra “Upa, upa
cavalinho”... Mas hoje a escola estava com suas portas fechadas... uma pelo
menos, as outras quebradas, e no chão de cimento grosso, restos de folhas de
caderno e sinais de fogo, no canto um armário de aço velho quebrado, sem portas,
deixando revelar alguns copos de plástico... eu e minhas duas irmãs fomos pra
frente da escola e ficamos para uma foto. E assim registramos o que resta deste
velho tempo... embora eu saiba que a memória do tempo de infância foi apenas
reforçada com esta pequena visita.
E por que
está abandonada? Por que decidiram matar esta escola, em um país que precisa
tanto de escola? Poderíamos pensar inúmeras possibilidades: não haveria
crianças suficientes que justificasse a manutenção do funcionamento escolar; ou
com a nova política de transportar as crianças da zona rural para as escolas
urbanas torna-se mais econômico e beneficia mais alguns e assim garante votos
nos pleitos eleitorais. E então não se respeita as diferenças culturais e nem
se planeja uma educação que prioriza a fixação do homem no campo e o
desenvolvimento de uma agricultura familiar. O contato das crianças da zona
rural com as crianças dos centros urbanos acabam provocando um determinado
choque cultural que poderá causar profundas transformações na vida dessas
crianças. E então, nem todas terão as oportunidades que tive, tendo uma
educação dentro de seu próprio espaço, de seu próprio universo.
O que é
melhor? O que é pior? Não sei dizer. Mas sei que ver esta escola abandonada não
foi o que eu gostaria de ver, embora tenha sido muito bom voltar aquele lugar.
Agora fico pensando as inúmeras possibilidades para aquela escola, para aquele
local de ensino-aprendizagem... Ainda há esperanças ou possibilidades?! Talvez...
mas eu preciso caminhar... continuar nesta viagem do tempo, do meu tempo. O
segundo capítulo contarei na próxima semana...
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