Uma viagem no tempo... no meu próprio tempo. (3ª
parte)
Na segunda
parte, publicada na semana passada, relatei algumas memórias do lugar onde vivi
minha infância, lá onde vivi momentos alegres e tristes. Próximo a sede da
fazenda em que morávamos ficava a sede da fazenda de meu avô. Era uma das
propriedades mais avançadas da região. Tinha uma água, que movimentava um
mojolo, um engenho, um moinho e uma pequena usina elétrica que beneficiava a
fazenda. Lembro-me muito, e com muita saudade, de duas grandes atividades nesta
fazenda: a produção de rapadura e a fabricação de farinha de mandioca e de
pouvilho (azedo e doce).
A fabricação
de farinha e de pouvilho ocorria nos meses de janeiro e fevereiro e a
fabricação de rapadura nos meses de maio e junho. Nesses períodos era realizado
um verdadeiro mutirão. Todos nós, inclusive a meninada tinha que ir para ajudar
nas tarefas. Passávamos dias descascando mandioca (meu avô chamava de desmanche
da mandioca). A atividade era feito em série, uma equipe ficava na colheita,
outra no transporte, outra no descasque, outra na ralação e outra na torragem e
secagem.
A mandioca
era arrancada logo pela manhã. Enchia o carro de bois e levava a uma das
cobertas da fazenda. Lá é que a maioria da criançada trabalhava. Com uma faquinha
apropriada, tirava a casca fina da mandioca. A mandioca descascada era colocada
em um balaio e levada ao tanque para lavar. Uma vez lavada a mandioca era
levada para o ralinho(triturador) movido a água – lugar perigoso, proibido para
as crianças. A massa de mandioca era então distribuída: uma parte era levada para
os grandes “cochos” feitos de pau de uma arvora chamada “bilosca” onde a massa
era mergulhada em água e ficava para azedar – depois de azedo esta massa ia
para a secagem em grandes estruturas de esteiras de bambu, obtendo assim o
pouvilho azedo; outra parte ficava depositada por um dia dentro da água para
curtir, mas era tirada antes de iniciar o processo de fermentação, era colocada
em uma prensa para retirar o excesso de água gerando assim o pouvilho doce; e a
terceira parte da massa era direcionada diretamente para a prensa e de lá era
conduzia aos grandes tachos para serem torradas que se transformava em farinha.
Eram dias e noites de trabalho... e apesar de alguns cortes, era suavizados por
café com biscoito, pipoca e peneiras cheias de mandiopã... posso até sentir o
cheiro e o sabor... Quanta saudade!
Já o trabalho no engenho,
geralmente nos meses de maio e junho, também se dava em mutirão. Um grande
engenho movido por uma roda d’água onde a cana era esmagada. O caldo corria
sobre uma canalização improvisada com casca de bananeira verde até a um grande
tanque feito de alvenaria. Neste tanque a garapa descansava e as primeiras
impurezas era retiradas. Depois de descansar a garapa (o caldo) era
conduzida para os tachos para a fervura. Este caldo passa por quatro grandes
tachos, cada tacho correspondia a uma etapa da fervura. Neste processo o
excesso de água presente no caldo se evaporava e as impurezas eram retiradas.
Depois de horas de fervura o caldo se transformava em um melado e se olhava o
ponto colocando pequenas porções em água fria (quando se transformava em puxa-puxa
– uma bala natural). Chegado ao ponto este melaço era levado às formas de
madeira e então esfriava e cristalizava tendo como resultado a rapadura. As
fornalhas eram alimentadas a lenha, e sempre que possível, com o próprio bagaço
da cana, depois de seco.
É claro que o
trabalho da criançada era mesclada entre o “fazer” e o “brincar”, onde ao
“brincar” se “fazia”, e assim trabalho infantil não era visto como exploração,
mas como momento de aprendizado e ao mesmo tempo de diversão. Talvez, por este
motivo, lembro-me deste tempo como algo prazeroso e também com muita saudade. O
engenho não existe mais. A sede da fazenda, também não, mas sua presença em
minha existência será eterna.
Todo este
trabalho se encerrava com uma grande festa! A festa de São João que era também
o santo de devoção de meu avô que também de chamava João... Então, viva São
João!
Esta
“infância saudosa” busco expressar em versos como os de agora...
DESMANCHE DE MANDIOCA
Geraldo Phonteboa
Contos, memórias,
cantigas
Antigas, distantes,
presentes
Iluminam o ambiente
Enquanto a faca
corre
Por entre minhas
mãos
E no desmanche da
mandioca
Tapioca, mandiopã,
Pipoca, biscoito de
polvilho
Café quentinho feito
na hora
No cantinho da casa…
silêncio!
E o passar do tempo,
Trabalho, risos,
gargalhadas,
Felicidade da roça,
Na dádiva do fruto
da terra, do
encontro.
Saudades…
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