quarta-feira, 16 de julho de 2025

A hora e a vez de Constança

 Hoje apresento a vocês a história de Constança. Uma mulher preta, escravizada, que afirma que não havia sido matriculada, conforme determinava a Lei de 1871 - que é a lei do Ventre Livre. E para ela o seu Senhor não havia feito tal matrícula. Nesse sentido, a petição inicial é muito simples, objetiva e direta. Ou seja, não há nenhum outro argumento. Somente isso, não foi matriculada pelo seu senhor e, portanto, teria o "direito" à liberdade.

Em todo caso o Juiz Municipal, aceita a petição e nomeia um Curador e um depositário. E o processo se inicia. Em seguida o Juiz Manoel Joaquim Cavalcanti de Albuquerque, solicita a verificação através do livro de matrícula do município. E ao fazer isso, vem a surpresa: Francisco Alves da Cunha, apontado como Réu no processo, isso porque Constança estava sob o domínio deste senhor., não era de fato senhor de Constança, pelo menos não era isso encontrado no livro de Matrícula de Escravos do Município. O Verdadeiro dono de Constança era outro. Veja a Certidão de Matrícula:


 Certifico que revendo o livro de matricula d’elle a folhas cento e seis consta que José Nunes da Costa no dia dois de Março de mil oito centos e oitenta e sete, matriculou a escrava Constança, idade de cincoenta e tres annos, solteira, legitima de José e Rita, cozinheira, em trezentos mil, reis, matriculada sob numero mil trezentos e vinte, digo, mil trezentos e noventa e cinco e um da relação, e na antiga, sob numero duzento e cincoenta sob o numero duzentos e cincoenta, por D. Barbara Flauzina de Jesus. Nada mais consta na referida matricula a que me reporta em fé do que a lavro e assigno. Cidade do Pará 10 de Maio de 1887.

O Collector Basilio Cecilio dos Santos


Diante das informações desta certidão, o Juiz não tinha muito o que fazer, a não ser suspender tanto o depósito, bem como a curatela de Constança, para depois encerrar o processo. Então expede o mandato para que os oficiais de justiça ir até a casa do depositário buscar a escrava e entregá-la ao seu verdadeiro dono. E isso acontece. O oficial de Justiça vai até o distrito de Mateus Leme, em casa do curador, buscar a escravizada Constança. E ela não se encontrava na casa do depositário, mas que estava em sua propriedade na Fazenda da Sesmaria, naquele distrito. Chegando à fazenda, o depositário rejeita a entrega de Constança, por ela já ser livre, pois já havia recebido "Carta de Liberdade", que ela, Constança, havia dado ao seu senhor, José Nunes da Costa, por esta liberdade.

Os oficiais de Justiça retornam ao Juiz e informa a situação. O Juiz não aceita aquela situação e envia novamente os oficiais, até à Fazenda Sesmaria para trazer a escravizada, e que apresente a carta de liberdade. Novamente o depositário recusa entregar Constança aos oficiais, alegando que não poderia entregar "pessoa livre" contra a vontade dela.  Informa também aos oficiais que ele não tinha em seu poder a referida "Carta de Liberdade". 

Diante desta informação, o Juiz faz intimação ao depositário e ao Curador para apresentar em audiência o documento que garantia a liberdade de Constança, sob as pena da Lei. E então, em 04 de agosto de 1887, em audiência pública, a Carta de Liberdade de Constança é apresentada ao juiz. Que após verificada a veracidade da mesma, declara Constança como mulher livre. Mas, por que a relutância em apresentar esta carta por parte do depositário? Por que ele resistiu tanto entregar esta carta ou apresentá-la ao juiz? E a resposta está na própria carta. A carta de liberdade foi passada em 21 de julho de 1882, 5 anos antes de Constância entrar na justiça. Ou seja, esta demora do depositário em entregar a carta e até mesmo devolver Constância ao seu dono estava no fato de que ele tinha intenções em continuar explorando o trabalho de Constança. Ele já era livre, mas estava em sua fazenda, prestando algum tipo de serviço. E foi por isso também que o Réu no Processo, Francisco Alves da Cunha, também não podia matriculá-la, pois se poderia descobrir que ela já era livre. Era conveniente para os senhores tentar encobrir esta situação. 

Dá para imaginar que muitos escravizados, mesmo já com a carta de alforria, não tinha garantias de sua liberdade, sendo preciso recorrer à justiça para conseguir, de fato, ser livre, e muitos escravizados não saberia como fazer isso. Constança torna-se assim um exemplo de como a informação pode ser útil na garantia de seus direitos. 

História como esta encontram-se a espera de pesquisadores e leitores no Acervo do Museu de Pará de Minas - MUSPAM. 

Veja abaixo o Podcast sobre este processo.


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