Hoje apresento a vocês a história de Constança. Uma mulher preta, escravizada, que afirma que não havia sido matriculada, conforme determinava a Lei de 1871 - que é a lei do Ventre Livre. E para ela o seu Senhor não havia feito tal matrícula. Nesse sentido, a petição inicial é muito simples, objetiva e direta. Ou seja, não há nenhum outro argumento. Somente isso, não foi matriculada pelo seu senhor e, portanto, teria o "direito" à liberdade.
Em todo caso o Juiz Municipal, aceita a petição e nomeia um Curador e um depositário. E o processo se inicia. Em seguida o Juiz Manoel Joaquim Cavalcanti de Albuquerque, solicita a verificação através do livro de matrícula do município. E ao fazer isso, vem a surpresa: Francisco Alves da Cunha, apontado como Réu no processo, isso porque Constança estava sob o domínio deste senhor., não era de fato senhor de Constança, pelo menos não era isso encontrado no livro de Matrícula de Escravos do Município. O Verdadeiro dono de Constança era outro. Veja a Certidão de Matrícula:
Certifico que revendo o livro de matricula d’elle a folhas cento e seis consta que José Nunes da Costa no dia dois de Março de mil oito centos e oitenta e sete, matriculou a escrava Constança, idade de cincoenta e tres annos, solteira, legitima de José e Rita, cozinheira, em trezentos mil, reis, matriculada sob numero mil trezentos e vinte, digo, mil trezentos e noventa e cinco e um da relação, e na antiga, sob numero duzento e cincoenta sob o numero duzentos e cincoenta, por D. Barbara Flauzina de Jesus. Nada mais consta na referida matricula a que me reporta em fé do que a lavro e assigno. Cidade do Pará 10 de Maio de 1887.
O Collector Basilio Cecilio dos Santos
Diante das informações desta certidão, o Juiz não tinha muito o que fazer, a não ser suspender tanto o depósito, bem como a curatela de Constança, para depois encerrar o processo. Então expede o mandato para que os oficiais de justiça ir até a casa do depositário buscar a escrava e entregá-la ao seu verdadeiro dono. E isso acontece. O oficial de Justiça vai até o distrito de Mateus Leme, em casa do curador, buscar a escravizada Constança. E ela não se encontrava na casa do depositário, mas que estava em sua propriedade na Fazenda da Sesmaria, naquele distrito. Chegando à fazenda, o depositário rejeita a entrega de Constança, por ela já ser livre, pois já havia recebido "Carta de Liberdade", que ela, Constança, havia dado ao seu senhor, José Nunes da Costa, por esta liberdade.
Os oficiais de Justiça retornam ao Juiz e informa a situação. O Juiz não aceita aquela situação e envia novamente os oficiais, até à Fazenda Sesmaria para trazer a escravizada, e que apresente a carta de liberdade. Novamente o depositário recusa entregar Constança aos oficiais, alegando que não poderia entregar "pessoa livre" contra a vontade dela. Informa também aos oficiais que ele não tinha em seu poder a referida "Carta de Liberdade".
Diante desta informação, o Juiz faz intimação ao depositário e ao Curador para apresentar em audiência o documento que garantia a liberdade de Constança, sob as pena da Lei. E então, em 04 de agosto de 1887, em audiência pública, a Carta de Liberdade de Constança é apresentada ao juiz. Que após verificada a veracidade da mesma, declara Constança como mulher livre. Mas, por que a relutância em apresentar esta carta por parte do depositário? Por que ele resistiu tanto entregar esta carta ou apresentá-la ao juiz? E a resposta está na própria carta. A carta de liberdade foi passada em 21 de julho de 1882, 5 anos antes de Constância entrar na justiça. Ou seja, esta demora do depositário em entregar a carta e até mesmo devolver Constância ao seu dono estava no fato de que ele tinha intenções em continuar explorando o trabalho de Constança. Ele já era livre, mas estava em sua fazenda, prestando algum tipo de serviço. E foi por isso também que o Réu no Processo, Francisco Alves da Cunha, também não podia matriculá-la, pois se poderia descobrir que ela já era livre. Era conveniente para os senhores tentar encobrir esta situação.
Dá para imaginar que muitos escravizados, mesmo já com a carta de alforria, não tinha garantias de sua liberdade, sendo preciso recorrer à justiça para conseguir, de fato, ser livre, e muitos escravizados não saberia como fazer isso. Constança torna-se assim um exemplo de como a informação pode ser útil na garantia de seus direitos.
História como esta encontram-se a espera de pesquisadores e leitores no Acervo do Museu de Pará de Minas - MUSPAM.
Imagine um homem negro, com 62 anos, não 62 anos qualquer... 62 anos de cativeiro. Mesmo após publicado a Lei do Sexagenário, no ano de 1885, esperava que seu senhor lhe concedesse sua liberdade. Mas isso não acontece. Fica sabendo que seu senhor renova sua matrícula e declara que ele tinha a idade de 45 anos.
Sentindo injustiçado, recorre à justiça e faz denúncia, solicitando a sua liberdade de "injusto cativeiro". E apresenta em sua defesa sua certidão de nascimento passado pelo vigário de Pitangui. Como não bastasse, teve ainda que arrolar testemunhas para comprovar, em juízo, que aquela certidão se referia de fato a ele, buscando contrapor ao documento de matrícula feita por seu senhor.
Então o juiz municipal da Cidade do Pará, aceita o pedido deste homem que vivia em situação de escravidão. Para garantir o mínimo de proteção a este escravizado, nomeia um Curador para representá-lo judicialmente, e um depositário, onde com quem ele ficaria enquanto aguardasse sua liberdade. E o processo corre.
Os documentos são juntados aos autos. Seu senhor foi notificado e audiência foi marcada. Chega o dia da audiência e o senhor não comparece, e alegando a impossibilidade pede ao juiz outra data. E então o juiz concede.
Em segunda audiência novamente o senhor não comparece. E o juiz, após ouvir as testemunhas e a revelia dos senhores, faz o julgamento. Romualdo é declarado livre, mas não plenamente. Isso porque a lei exigia que o escravo liberto após 60 anos deveria prestar serviço ao seu senhor por mais 3 anos, a título de indenização.
Depois desta agência deste homem escravizado, que durou meses (janeiro a abril de 1888). Mesmo após sua vitória, teria ele que voltar para junto ao seu senhor e ainda lhe prestar o serviço previsto pela lei. Felizmente isso não ocorreu, pois em seguida veio a Lei Aurea que declara extinta a escravidão no Brasil.
Histórias como esta está à sua disposição no Acervo do Museu de Pará de Minas. Vai lá conhecer!!!