segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

MARIA FIRMINA DOS REIS

 Por Geraldo Fonte Boa

Ilustração tirada do site: https://mondru.com/book-author/maria-firmina-dos-reis/ 
a quem registro os créditos.

Mulher, negra (o que vem primeiro, não sei, não sei), professora, escritora, ficcionista e poeta, maranhense, brasileira. O que mais se pode dizer desta mulher que, apesar de todos esses substantivos, não é capaz de a definir, a delimitar, ou ainda a abranger.

Maria Firmina, nasceu na cidade de São Luís do Maranhão, aos 11 de março de 1822, - filha da mulata forra Leonor Felipa dos Reis e do comerciante João Pedro Esteves -, e ficou encantada em 11 de novembro de 1917, quando morava na pequena Guimarães, também no Maranhão. Maria Firmina se definia como negra e bastarda. Mas era sua condição social não a limitava ou a impedia de fazer e ser o que quisesse ser. Tornou-se professora de primeiras letras na comarca de São José de Guimarães, e se fez da palavra e pela palavra. A palavra era seu ofício, e pela palavra levantou a bandeira contra a situação social do negro e, principalmente, da mulher negra.

A obra de Miria Firmina traz a palavra usada como espada para abrir a sociedade brasileira para se perceber o racismo, o preconceito e a discriminação. De maneira sutil, singela e leve, Maria Firmina diz o que tem a dizer e, ao revelar a realidade das senzalas, revela detalhes da formação da sociedade brasileira, que ao longo do século tentam camuflar, silenciar, apagar.

As espadas e facas utilizadas por Maria Firmina para cortar, retalhar e fazer vir à luz a realidade do interior da sociedade brasileira de seu tempo é a ironia, a metáfora e a sutilidade. E a forma elegante que usa de sua ficção, envolve o leitor e o leva para ver a sociedade por dentro, destacando o sexismo, a violência, o preconceito, o lugar de mando do homem branco, e vai, por dentro, fazendo com que o leitor rasgue as entranhas desta sociedade até chegar ao quase desespero irônico. Por isso seus escritos são comparados com a genialidade de Machado de Assis, Castro Alves, ou um Cruz e Souza, ou ainda Lima Barreto. Mas vejam, nenhum desses homens podem ser comparados a ela, devido ao seu lugar de fala. Ou seja, o lugar da palavra.

Maria Firmina fala a partir da senzala. A partir de sua vida como mulher negra. Deste pertencimento. É a partir deste lugar que a voz de Maria Firmina dos Reis ecoa e alcança todo o território brasileiro no final do século XIX. E hoje, gerações inteiras nunca ouviram falar desta mulher. Silenciaram-na.

A obra de Maria Firmina está esquecida, como a obra de várias outras mulheres de seu tempo, como Júlia Lopes de Almeida, Chiquinha Gonzaga e tantas outras. Mas abrir o livro, Ursula, pode ser um bom começo para resgatar e trazer aos nossos dias a sutiliza, a ironia e o debate de temas ainda tão necessários como o preconceito, o racismo e principalmente o sexismo. No entanto, não podemos esquecer de outro aspecto de sua existência, da existência de Firmina para além da escrita: o “ser-mulher”, o “ser-negra” e o “ser-educadora”.

 Talvez estes aspectos de sua existência possam ser iluminados pela sua literatura, pelas suas palavras. O “ser-mulher” vai além do sexismo e ao mesmo tempo o condena; o “ser-mulher” é o construir-se enquanto pessoa, que não precisa do “ser-homem” para se diferenciar ou construir-se. O “ser-negra”, da mesma forma e com a mesma intensidade, assumindo seu lugar no mundo e na história, e construindo-se a si mesma a partir desta identidade. E, finalmente, o “ser-educadora” que aponta para a necessidade de recolocação desta profissão no centro da sociedade brasileira.

Maria Firmina dos Reis ainda se encontra à margem da tradição literária brasileira, apesar de seu talento magnífico, que se colocou a serviço da problematização do lugar da mulher e do negro, não só do Brasil do final do século XIX, mas ainda no Brasil atual. Então, resgatar a necessidade de ler Maria Firmina dos Reis é possibilitar um diálogo “irônico”, sutil e realista de outras camadas sociais que hoje se encontram à margem da sociedade.

Vamos à leitura de “Ursula” para começar. Quem sabe assim possamos trazer sua voz e sua palavra como meio de conhecer a nós mesmos.

Pode começar a ler... eu vou junto. E, depois, voltaremos aqui para conversar sobre quais palavras de Maria Firmina encontraram ecos em nós.

Vamos lá. 

 

2 comentários:

  1. Lemos Úrsula no grupo Ler para Tecer. Maravilha!

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  2. Uma apresentação instigante como essa não pode passar em branco!
    Vou ler.

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