Por Geraldo Fonte Boa
Mulher, negra (o que vem primeiro, não sei, não sei), professora, escritora, ficcionista e poeta, maranhense, brasileira. O que mais se pode dizer desta mulher que, apesar de todos esses substantivos, não é capaz de a definir, a delimitar, ou ainda a abranger.
Maria Firmina, nasceu na cidade de São Luís do Maranhão, aos 11 de março de 1822, - filha da mulata forra Leonor Felipa dos Reis e do comerciante João Pedro Esteves -, e ficou encantada em 11 de novembro de 1917, quando morava na pequena Guimarães, também no Maranhão. Maria Firmina se definia como negra e bastarda. Mas era sua condição social não a limitava ou a impedia de fazer e ser o que quisesse ser. Tornou-se professora de primeiras letras na comarca de São José de Guimarães, e se fez da palavra e pela palavra. A palavra era seu ofício, e pela palavra levantou a bandeira contra a situação social do negro e, principalmente, da mulher negra.
A obra de Miria Firmina traz a
palavra usada como espada para abrir a sociedade brasileira para se perceber o
racismo, o preconceito e a discriminação. De maneira sutil, singela e leve,
Maria Firmina diz o que tem a dizer e, ao revelar a realidade das senzalas,
revela detalhes da formação da sociedade brasileira, que ao longo do século
tentam camuflar, silenciar, apagar.
As espadas e facas utilizadas por
Maria Firmina para cortar, retalhar e fazer vir à luz a realidade do interior
da sociedade brasileira de seu tempo é a ironia, a metáfora e a sutilidade. E a
forma elegante que usa de sua ficção, envolve o leitor e o leva para ver a
sociedade por dentro, destacando o sexismo, a violência, o preconceito, o lugar
de mando do homem branco, e vai, por dentro, fazendo com que o leitor rasgue as
entranhas desta sociedade até chegar ao quase desespero irônico. Por isso seus
escritos são comparados com a genialidade de Machado de Assis, Castro
Alves, ou um Cruz e Souza, ou ainda Lima Barreto. Mas vejam, nenhum desses
homens podem ser comparados a ela, devido ao seu lugar de fala. Ou seja, o
lugar da palavra.
Maria Firmina fala a partir da
senzala. A partir de sua vida como mulher negra. Deste pertencimento. É a
partir deste lugar que a voz de Maria Firmina dos Reis ecoa e alcança todo o
território brasileiro no final do século XIX. E hoje, gerações inteiras nunca
ouviram falar desta mulher. Silenciaram-na.
A obra de Maria Firmina está
esquecida, como a obra de várias outras mulheres de seu tempo, como Júlia Lopes
de Almeida, Chiquinha Gonzaga e tantas outras. Mas abrir o livro, Ursula, pode ser um bom começo para
resgatar e trazer aos nossos dias a sutiliza, a ironia e o debate de temas
ainda tão necessários como o preconceito, o racismo e principalmente o sexismo.
No entanto, não podemos esquecer de outro aspecto de sua existência, da
existência de Firmina para além da escrita: o “ser-mulher”, o “ser-negra” e o “ser-educadora”.
Talvez estes aspectos de sua
existência possam ser iluminados pela sua literatura, pelas suas palavras. O “ser-mulher”
vai além do sexismo e ao mesmo tempo o condena; o “ser-mulher” é o construir-se
enquanto pessoa, que não precisa do “ser-homem” para se diferenciar ou
construir-se. O “ser-negra”, da mesma forma e com a mesma intensidade,
assumindo seu lugar no mundo e na história, e construindo-se a si mesma a
partir desta identidade. E, finalmente, o “ser-educadora” que aponta para a
necessidade de recolocação desta profissão no centro da sociedade brasileira.
Maria Firmina dos Reis ainda se
encontra à margem da tradição literária brasileira, apesar de seu talento
magnífico, que se colocou a serviço da problematização do lugar da mulher e do
negro, não só do Brasil do final do século XIX, mas ainda no Brasil atual.
Então, resgatar a necessidade de ler Maria Firmina dos Reis é possibilitar um
diálogo “irônico”, sutil e realista de outras camadas sociais que hoje se
encontram à margem da sociedade.
Vamos à leitura de “Ursula” para
começar. Quem sabe assim possamos trazer sua voz e sua palavra como meio de
conhecer a nós mesmos.
Pode começar a ler... eu vou junto.
E, depois, voltaremos aqui para conversar sobre quais palavras de Maria Firmina
encontraram ecos em nós.
Vamos lá.
Lemos Úrsula no grupo Ler para Tecer. Maravilha!
ResponderExcluirUma apresentação instigante como essa não pode passar em branco!
ResponderExcluirVou ler.