Geraldo Phonteboa
Então,
lestes Úrsula?! É um romance ou um drama? Embora a história seja um
romance, a história do amor de Tancredo e Úrsula e que, provoca em Fernando P., os
mais cruéis sentimentos e ações.
Mas a
história é dramática. Costurada de descrita de uma forma tão intensa que o
leitor vai sendo levado pelo sentimento de ódio e rancor, e por fim lamenta
pelo final escolhido pela autora. E como as coisas terminam sou levado a pensar
no Drama como estilo. Convenhamos, é um verdadeiro drama de Úrsula – “pobre Úrsula”.
A história
principal é a história deste amor. Do amor de uma donzela, branca, que vivi como
“objeto” do amor de dois homens brancos, senhores de escravos e pertencente a
elite do Maranhão. Este é a história que conduz toda a obra de Maria Firmina
dos Reis.
No entanto, há mais duas histórias que se fazem presente nesta história dramática que a
torna ainda mais dramática: a história de homens e mulheres escravizados e a
história das mulheres colocadas como “objetos” das vontades dos homens.
A obra
de Maria Firmina dos Reis é mais que uma denúncia da existência desses dois
dramas, é sim um posicionamento consciente, decisivo e decisivo. Existem algumas passagens em que estes dois
outros dramas são claramente tematizados.
Quanto a
infame existência da escravidão, a autora, diz
Senhor Deus! Quando
calará no peito do homem a tua sublime máxima – ama a teu próximo como a ti
mesmo –, e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu
semelhante!... Àquele que também era livre no seu país... Àquele que é seu
irmão?
E o mísero sofria; porque
era escravo, e a escravidão não lhe embrutecera a alma; porque os sentimentos
generosos, que Deus lhe implantou no coração, permaneciam intactos e puros como
a sua alma. Era infeliz, mas era virtuoso; e por isso seu coração enterneceu-se
em presença da dolorosa cena, que se lhe ofereceu à vista. (pág. 21)
Aqui a autora busca o próprio evangelho ou princípio religioso para interpelar pela
crueldade da escravidão, incompreensível racionalmente, mas que acaba por
embrutecer a alma, não só dos negros, mas também dos brancos.
Em outra
passagem quando Túlio é interpelado para revelar seu nome e condição ao
desconhecido Tancredo, ele assim afirma:
— A minha condição é a de
mísero escravo! Meu senhor – continuou – não me chameis amigo. Calculastes já,
sondastes vós a distância que nos separa? Ah! O escravo é tão infeliz!... Tão mesquinha
e rasteira é a sua sorte, que... (p.24)
E aqui,
a autora ainda chama nossa atenção para o próprio posicionamento de Túlio, que
não se vê na condição de ser digno de ser chamado de amigo, por ele ser
escravo. Ou seja, a situação de escravidão impossibilita-se de qualquer aproximação
de indivíduos que ocupam papéis sociais distantes e distantes.
E por
fim, neste drama da escravidão presente na obra “Úrsula”, destaco mais
uma passagem que ocupa um papel de denúncia ao drama da escravidão. Assim diz a
autora:
Tu que não esmagaste com desprezo
a quem traz na fronte estampado o ferrete da infâmia! Porque ao africano seu
semelhante disse: — És meu! – Ele curvou a fronte, e humilde, rastejando qual erva, que
se calcou aos pés, o vai seguindo? Porque o que é senhor, o que é livre, tem
segura em suas mãos ambas a cadeia, que lhe oprime os pulsos. Cadeia infame e
rigorosa, a que chamam “escravidão”?!... E, entretanto, este também era livre,
livre como o pássaro, como o ar; porque no seu país não se é escravo. Ele
escuta a nênia plangente de seu pai, escuta a canção sentida que cai dos lábios
de sua mãe, e sente, como eles, que é livre; porque a razão lho diz, e a alma o compreende.
Oh! A mente! Isso sim ninguém a pode escravizar! (p.34)
Aqui vem a questão: quem deu ao branco do
direito de escravizar o negro? E a escravidão o que é? A cadeia infame e rigorosa.
E este posicionamento da autora se faz presente ao longo de todo romance/drama
de Úrsula. Está presente no tratamento dado pelo comendador Fernando P. aos
seus escravos, ou ainda na história e trajetória de “Suzana”.
Agora
vamos ao outro drama. O drama vivido pelas mulheres, brancas ou não, que são
consideradas “objetos” dos desejos e das vontades dos homens. Tendo inclusive
seus destinos definidos por eles. A tal ponto que elas são incapazes de se libertar.
Em várias passagens as vontades das mulheres são dominadas pelas forças, pelo
desejo e pelo tratamento dispensado pelos homens. E mesmo quando estes homens
manifestam seu amor por uma mulher o fazem como uma forma de justificativa de
seu domínio sobre elas. Mas como citei algumas passagens no caso do drama da
escravidão, devo fazer o mesmo aqui.
A
primeira formada de sexismo, apontado pela autora, está na própria cultura
masculina daquela sociedade, em que o homem tem a capacidade de colocar as mulheres
em situação de completa exposição social. Diz assim a autora:
Oh! O sol é como o homem
maligno e perverso, que bafeja com hálito impuro a donzela desvalida, e foge, e
deixa-a entregue à vergonha, à desesperação, à morte! E depois, ri-se e busca
outra, e mais outra vítima! A donzela e a flor choram em silêncio, e o seu
choro ninguém compreende! (pág.19-20).
Já em
outra passagem é apresentada uma segunda forma de sexismo, ainda tão presente
atualmente, que é a figura paterna e seu tirocínio sobre sua esposa e sua
prole. Assim diz a autora:
É que entre ele e sua
esposa estava colocado o mais despótico poder: meu pai era o tirano de sua
mulher; e ela, triste vítima, chorava em silêncio, e resignava-se com sublime
brandura.
Meu pai era para com ela
um homem desapiedado e orgulhoso – minha mãe era uma santa e humilde mulher.
Quantas vezes na
infância, malgrado meu, testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de louca
prepotência, que revoltavam! E meu coração alvoroçava-se nessas ocasiões, apesar
das prudentes admoestações de minha pobre mãe. (p.43)
A grandiosidade
desta obra é muito atual e merece ser lida e levada aos alunos do ensino
fundamental e médio. Não por ser uma história escrita por uma mulher negra, mas
por ser uma obra que tece as teias de nossa identidade. Por este motivo convido
você leitor a ler também “Gupeva” e poemas desta grande escritora: Maria
Firmina dos Reis.
E para
terminar, deixo aqui uma estrofe do poema “Súplica” desta grande autora:
Dá,
Senhor, que breve passe
Sobre a
terra – o meu viver;
Bem vês,
a flor desfalece
Da tarde
no esmorecer;
Entretanto
a flor é bela,
É bela
de enlouquecer. [...]
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