POR
UMA ÉTICA HUMANISTA.
Acredito que todos acompanharam – uns
mais, outros menos - os pronunciamentos do Papa Francisco durante o seu
trabalho pastoral junto a Jornada Mundial da Juventude, ocorrida no Rio de
Janeiro. Os seus discursos falam por si só e não carece de nenhum apêndice
explicativo. A forma simples de sua comunicação, sua postura de estar sempre
disponível, sua simplicidade, sua necessidade de estabelecer contato direto com
o povo tornou-se, durante todo o período de sua visita, uma marca registrada. Mas
a simplicidade de suas palavras não é, no entanto, ausência de profundidade.
Algumas características dos pronunciamentos do Papa Francisco são a brevidade
(pronunciamento curtos), a didática (geralmente dividida em três pontos chaves)
e a verticalidade. Por isso estes pronunciamentos exigirão, de quem deseja
conhecer seu pensamento, um debruçar atento.
Não farei nenhuma análise dos
pronunciamentos do Papa Francisco aqui. Hoje meu objetivo é outro. O que quero
aqui é pautar dois pontos que julgo importantes: a exclusividade da Globo News
em conseguir a entrevista com o Papa Francisco e algumas falas do próprio Papa
Francisco nesta exclusiva.
Quanto a questão da exclusiva
concedida ao jornalista Gerson Camarotti, da Globo News coloca-nos numa
situação de, no mínimo, desconfiança. Isso pelo histórico de parcialidade e de
posicionamentos ideológicos da Rede Globo, e dentro desta rede se coloca a
Globo News. Esta exclusividade é por si só questionável e nos faz pensar, ou
suspeitar, de quais mecanismos teriam sido utilizados pela Globo News para
conseguir tal exclusiva. Esta exclusiva teria sido um esforço pessoal do
jornalista Gerson Camarotti? Houve “lobby” (influência ou outros mecanismos)
para se obter tal exclusiva? Por que a Globo News? Que setores da Igreja teria
interesses neste alinhamento com a Globo News? Estas questões eu não consigo
responder. E acredito que as respostas não são simples e nem únicas, e que talvez
sejam até inconvenientes. Mas isso não tira o mérito do que fora apresentado
nesta exclusiva.
Vamos agora ao segundo ponto deste
texto: alguns detalhes do que diz o Papa Francisco neste exclusiva. Sobre a
questão da segurança ele diz ser indiciplinado, mas afirma que “não
tenho medo. Sou inconsciente, não tenho medo. Sei que ninguém morre de véspera.
Quando for minha vez, o que Deus permitir, assim será.”. E continua explicando o porque fez
tirar do papamóvel os vidros laterais “se você vai estar
com alguém a quem ama, amigos, e quer se comunicar você não vai fazer essa
visita dentro de uma caixa de vidro?”
e ainda “se venho visitar gente, e quero tratá-las como
gente. Tocando-as”. Quanto aos problemas
que cercam a Cúria Romana, ele afirma que “há muitos santos” e há outros que “agem
mal” e que “Faz mais barulho uma árvore que cai do que um bosque que cresce”. Diz que há um clamor por reformas
na Cúria Romana e que para tanto já foi nomeado uma comissão composta de oito
cardeais, que deve ouvir e colher sugestões através de Conferências Episcopais
e que estas sugestões estão serão analisadas em uma primeira reunião prevista
para os dias 1, 2 e 3 de outubro de onde sairá uma pauta para as reformas, que “são
sérias” e “precisam
ser amadurecidas” e conclui
que a “Igreja sempre precisa ser reformada”, afinal a “Igreja é dinâmica” e o que servia para o século passado
não serve para o tempo de agora.
Quando arguido sobre a sua simplicidade
o papa separa os dois aspectos apresentados pelo repórter. Quanto ao uso de
veículos simples o Papa confirmou a necessidade de se ter um veículo para a
realização dos trabalhos da Igreja, mas isso não significa que tenha que ser um
carro luxuoso. Quanto a sua escolha em morar na Casa Santa Marta e não no Apartamento
Papal, diz o Papa que “não foi tanto por uma questão de
simplicidade... mas tem a ver com o meu modo de ser. Eu não posso viver só. Não
posso viver fechado. Preciso de contato com as pessoas”.
Além disso, afirma
que agora a Igreja exige uma “vida mais simples, mais pobre”.
Outro ponto apresentado ao papa foi a
questão da perca de fiéis católicos para outras denominações religiosas. O Papa
Francisco disse que não conhece as causas, nem os números, e que embora não “saberia
explicar” as causas deste fenômeno, tem como hipótese o
distanciamento existente entre a Igreja (a hierarquia) e os fiéis. E assim diz “Para
mim é fundamental a proximidade da Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem
eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe dá carinho, toca, beija, ama.
Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, e só se
comunica com documentos é como uma mãe que se comunica com o seu filho por
carta. (…) Esta falta de proximidade, de sacerdotes. (…) ou seja a falta de
proximidade” e conclui:
“A
mãe faz assim com o filho: cuida, beija, acaricia e o alimenta. Não por
correspondência. Proximidade. Eu quero uma Igreja próxima.”
Quanto aos protestos dos jovens no
Brasil, o Papa Francisco diz “não conheço os motivos dos
protestos dos jovens.” e não seria prudente pronunciar sobre este assunto, mas havia
um ponto que merece destaque “um jovem que não protesta não me
agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre
negativa. A utopia é um respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo,
não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas a experiência nos freia. Ele
tem mais energia para defender suas ideais. O jovem é essencialmente um
inconformista. Isso é muito lindo! Isso é algo comum a todos os jovens. Então
eu diria, de uma forma geral, que é preciso ouvir os jovens, dar-lhes meios de
se expressar e cuidar para que não sejam manipulados.(…)
Há
pessoas que buscam a exploração de jovens. Manipulando essa ilusão, esse
inconformismo que existe. E depois arruínam a vida desses jovens.”.E destaca que sempre diz aos embaixadores
que vão a Roma que “O mundo atual, em que vivemos
tinha caído na feroz idolatria do dinheiro. E que já uma política mundial muito
impregnada pelo protagonismo do dinheiro. Quem manda hoje é o dinheiro. Isso
significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético, um
economicismo autossuficiente e que vai arrumando os grupos sociais de acordo
com essa conveniência.(…)Quando reina no mundo a feroz idolatria do dinheiro,
se concentra muito no centro. E as pontas da sociedade, os extremos são mal
atendidos, não são cuidados e são descartados. Até agora vimos claro, como se
descartam os idosos. Há toda uma filosofia para descartar os idosos. Não
servem. Não produzem. Os jovens também não produzem muito. É uma carga que
precisa ser formada. O que estamos vendo agora e a outra ponta, a dos jovens,
está em vias de ser descartada. O alto percentual de desemprego entre os jovens
na Europa é alarmante.(…) Então para sustentar este modelo político mundial
estamos descartando os extremos. (…) Descartando ambos, o mundo desabava.” E conclui que “Falta uma ética
humanista em todo o mundo.(…) Hoje, há crianças que não tem o que comer no
mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição,(…) Há doentes que não têm
acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de
frio no inverno. Há crianças que não tem educação. Nada disso é notícia. Mas
quando as bolsas de algumas capitais caem 3 ou 4 pontos, isso é tratado como
uma grande catástrofe mundial. Esse é o drama desse humanismo desumano que
estamos vivendo.”
E por fim, quanto ao tema do
ecumenismo, do diálogo com outras religiões e crenças a resposta do Papa Francisco foi de abertura. “Creio
que é preciso estimular uma cultura do encontro, em todo o mundo.(…) Cada
religião tem suas crenças. Mas, dentro dos valores de sua própria fé, trabalhar
pelo próximo. E nos encontrarmos todos para trabalhar pelos outros. (…) Temos
que chegar a um acordo (…) Hoje a urgência é de tal ordem que não podemos
brigar entre nós, à custa do sofrimento alheio. Primeiro trabalhar pelo
próximo, depois conversar entre nós, com muita grandeza, levando em conta a fé
de cada um, buscando nos entendermos. Mas, sobretudo hoje em dia urge a
proximidade. Sair de si mesmo para solucionar os tremendos problemas mundiais
que existem. Creio que as religiões, as diversas religiões, não podem dormir
tranquilas enquanto exista uma única criança que morra de fome, ou sem
educação. Um só jovem ou idoso sem atendimento médico. (…) Não vai adiantar
nada falar de teologias se não tivermos a proximidade de sair para ajudar e
acolher o próximo, sobretudo neste mundo em que se cai tanto da torre
(referindo-se à torre de Babel e aos abandonados deste mundo) e ninguém diz
nada”.
Assim as palavras do Papa Francisco
nos apontam alguns caminhos importantes neste momento de profundas de mudanças
e reinvidicações, não só no Brasil, nas no mundo. Talvez a “ética humanista”,
apontada pelo Papa, possa ser um farol a nos indicar um caminho, independente
de sua crença religiosa. Tomara que esta mensagem se transforme em realidade,
não só no seio da Igreja Católica, mas que seja uma luta de todos.
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