quarta-feira, 23 de outubro de 2024

História da Gente Brasileira

Obra primorosa de Mary del Priore, a coleção "História da Gente Brasileira" é um mergulho na história que não aparece nos livros didáticos das escolas brasileiras. Uma história do cotidiano... dos hábitos... dos costumes... do fazer miudinho... da comida... das roupas... do modo de produzir o dia a dia... das técnicas produtivas... dos cantos de trabalho... Nesse sentido, esta coleção, dividida em 04 volumes, deveria estar entre as leituras prediletas de nossa gente, pois é um encontro consigo mesmo. Vale a pena ler!!

Com todos os créditos transcrevo abaixo um pequeno trecho tirado do volume 1 desta coleção, onde retrata o cotidiano das cantigas de trabalho dos homens e mulheres escravizados - os vissungos. Veja que maravilha...

" Em Minas Gerais, os ares das fazendas onde ainda havia mineração associada à lavoura eram embalados por cantigas de trabalho dos escravos. Esses cantos eram chamados de “vissungos” – alguns adaptados às fases de trabalho nas minas, outros parecendo cantos religiosos ajustados à ocasião. Conta-nos Aires da Mata Machado Filho que os negros no serviço cantavam o dia inteiro. Antes mesmo do nascer do sol, dirigiam-se à lua, em cantigas de evidente teor religioso. Pela manhã, entoavam um Pade Nosso, pedindo a Deus e Nossa Senhora que abençoassem seu trabalho e comida: “Otê! Pade Nosso cum Ave-Maria, securo câmera qui t’Anganamzambê, iô...”. A seguir, o cantador mestre acordava os companheiros: “Galo cantou, rê rê/ Cacariacou/ Cristo nasceu/ Galo já cantou”. À lua era pedido que “furasse o buraquinho do dia”: “Ai! Senhê!/ Ô... ô imbanda, combera ti, senhê”. Ao meio-dia, o cantador avisava à mulher de serviço que o sol ia alto: era hora do almoço: “Andambi, ucumbi u atundá...? Sequerende...

[...] Para ajuntar terras nos montes, apressar a marcha do cavalo, avisar sobre o encontro de um diamante, falar “língua de branco”, enterrar os mortos, ironizar o mau alimento que lhes era servido, alertar sobre fogo nos campos, perseguir a caça no mato, fugir para os quilombos, lembrar os pais, pedir uma roupa nova, contra os feitiços – enfim, para tudo –, cantavam os cativos. Os “vissungos” eram parte importante do cotidiano das fazendas, e sua música marcava o ritmo dos trabalhos e dos dias, informando sobre o que se passava. Durante o trabalho das fiandeiras e capinadores da roça, e no mutirão de construções, outros cantos enchiam as serras mineiras. Cantava-se até para reclamar do frio: “Auê/Duro já foi senguê”. Ou pedir chuva: “Ongombe coi i pique.”  Os escravos cantavam em todas as ocasiões possíveis. Embora tais coleções de música não tenham sobrevivido, há informações sobre a capacidade que tinham os cativos de improvisar com palmas e vozes. A dança vinha junto: “Assim que dois ou mais começavam a dançar, outros se juntavam ao grupo”, com “todas as variedades concebíveis de contorções e gesticulações”, segundo observou o viajante inglês Robertson. Nas senzalas ou nos zungus, pontos de reunião espalhados pela cidade, não faltavam os batuques, que muitos estudiosos percebem como o berço do samba. Duelos de trabalho, notadamente entre as raspadeiras de mandioca, que se desafiavam sentadas nas tulhas e casas de farinha, eram outra maneira de se divertir trabalhando. Nas horas vagas, nas fazendas e engenhos ou na cidade, cativos se dedicavam à feitura de belos objetos funcionais, religiosos e decorativos. Os urdidos com fibras naturais eram os mais comuns: esteiras, cestos, chapéus de palha e capas. Na tecelagem decorativa, os angolanos se revelavam artistas excepcionais.” (Mary del Priore, História da gente brasileira - Colônia, 2022, p. 203-204)







domingo, 25 de agosto de 2024

O Silêncio de meu pai

 O poema “O Silêncio de Meu Pai”, escrito pelo professor Phonteboa e incluído no minilivro “Presença Paterna” – uma obra de dimensões singulares (2,6 x 3,4 cm) e fonte no tamanho 4,5 –, é uma peça literária cuidadosamente elaborada para "afetar" profundamente seus leitores. Lançado em 2024, este minilivro, apesar de seu formato diminuto, revela-se grandioso em cada palavra, ampliando-se em significado à medida que o leitor mergulha na mensagem que o autor pretende transmitir. Phonteboa destaca que cada um tem seu próprio jeito de se tornar presente, e é precisamente essa presença silenciosa que o poema captura com maestria.

O poema explora a profundidade e a complexidade do silêncio como um meio de comunicação poderoso e, muitas vezes, subestimado. Através do silêncio do pai, o eu lírico experimenta uma conexão íntima e profunda que vai além das palavras. Este silêncio é apresentado não como ausência, mas como presença repleta de significados e sentidos, algo que ocupa "todos os espaços" do ser do filho, desencadeando reações e reflexões profundas.

A insistência em falar, por parte do filho, pode ser vista como uma tentativa de preencher um vazio que, na verdade, não existe, pois o silêncio do pai já está pleno de significado. Isso reflete a dificuldade humana em aceitar e compreender o silêncio como uma forma legítima e rica de comunicação, especialmente em uma sociedade onde o falar é muitas vezes mais valorizado que o ouvir.

À medida que o poema avança, o silêncio do pai adquire uma dimensão transcendente. Torna-se "uma pausa no barulho do mundo", um momento de introspecção e busca por novos significados, novos pensamentos. É neste ponto que o silêncio se transforma em eternidade – quando o pai se vai, seu silêncio permanece como um legado, algo que agora o filho compreende em sua totalidade.

O desfecho do poema é especialmente tocante. O eu lírico, ao perceber a eternidade do pai no silêncio, cala-se, indicando que finalmente compreendeu e aceitou o poder desse silêncio. O silêncio do pai não é mais algo a ser preenchido ou rompido, mas respeitado e honrado.

Em termos literários, o poema utiliza a repetição do verso "O silêncio de meu pai" para enfatizar a centralidade dessa ideia na vida do eu lírico. O uso de paradoxos, como "o silêncio que comunica" e "o silêncio que ocupa todos os espaços", reflete a complexidade do tema e a rica ambiguidade do silêncio como uma forma de expressão.

No geral, o poema é uma reflexão profunda sobre a comunicação não-verbal, o legado dos pais, e a transformação do silêncio em um espaço de memória e conexão espiritual. É um convite à introspecção e à valorização dos momentos de quietude, tanto na vida quanto na morte. O professor Phonteboa, com sua obra pequena em dimensões físicas, mas imensa em profundidade emocional, nos lembra que a presença se manifesta de formas diversas e que o silêncio, muitas vezes, é a mais eloquente delas.

O SILÊNCIO DE MEU PAI

O silêncio de meu pai era repleto de significados ...
Estava ali ao meu lado por um longo tempo sem pronunciar som algum
E como comunicava ...
O silêncio do meu Pai ocupava todos os espaços de meu ser
E provocava em mim reações descabidas
E eu insistia em falar...
E não ouvia plenamente o silêncio de meu pai.
O silêncio de meu pai
Era uma pausa no barulho no mundo
Era uma busca de um novo sentido
De um novo momento
De um novo pensamento.
O silêncio de meu pai
É, agora, eterno.
E, então, percebo que meu pai tornou-se eterno
No próprio silêncio que era o silêncio de meu pai.
No silêncio de meu pai
Calo-me.

Texto de Charles Aquino

Publicado originalmente no Blog "Itaúna Décadas"

https://itaunaemdecadas.blogspot.com/2024/08/o-silencio-de-meu-pai.html


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012)

Por Phonteboa

Não conheci Bartolomeu. Encontrei-me com ele de forma informal e à distância. Isso ocorreu em um evento realizado em Pará de Minas no ano de 2009. Na época eu estava na função de Diretor da Faculdade de Pará de Minas e a Academia de Letras de Pará de Minas organizou um encontro com Bartolomeu em um auditório do Sindicato Rural de Pará de Minas. Nesse dia, após sua fala, Bartolomeu recebeu o diploma de Acadêmico Honorário da Academia de Letras de Pará de Minas. Lembro que foi uma solenidade muito simples, mas muito significativa. Como não o conhecia, não consegui, na época compreender o tamanho deste escritor. Não conhecia sua obra, nem mesmo quem ele era de fato.

O tempo passou e Bartolomeu ficou alí em minha memória, como uma pessoa importante, mas que não sabia de sua importância. Veja, não me leve a mal, eu não tinha noção de quem era ele. Não havia lido nada desse escritor. Pouco tempo depois, recebi a notícia de que Bartolomeu havia falecido[1] e pensei assim comigo: Bartolomeu, por ser um escritor, assim como dizia Guimarães Rosa, “encantou-se”. Isso porquê, para mim, todos os escritores, sem distinção, “ficam encantados”, não morrem nunca. Esta criação de João Guimarães Rosa é magnífica! Seu corpo desaparece, sua presença física ausenta-se. Mas suas ideias permanecem em seus escritos e depende unicamente da iniciativa de alguém que leiam suas palavras. Assim que estes escritos são lidos, o escritor se revela e sua dimensão de “encantamento” aparece.

Não busquei conhecer sua história, não li suas obras por anos. E mesmo sendo membro da Academia de Letras de Pará de Minas, tinha tantos outros projetos, tantos outros envolvimentos e Bartolomeu, melhor, suas obras, não provocaram em mim mobilização. Sabia de sua existência, mas isso não provocava a minha curiosidade ou a devida atenção. Ele estava “encantado”, e eu não percebia este “encantamento”. Até que um dia, em uma de nossas reuniões da Academia, o assunto sobre o cuidado com as obras dos membros da própria Academia, ou seja, “nós não nos lemos”. Convivemos com escritores e não conhecemos os seus escritos e as suas obras. E dentro desta conversa despretensiosa, mas séria, veio a constatação de que todos os nossos acadêmicos honorários já eram falecidos e que caberia a Academia fazer uma homenagem a eles, e mais que isso, conhecer suas obras. Foi neste momento que me propus ler Bartolomeu.

Pesquisei sobre ele, busquei algumas de suas obras. Visitei bibliotecas públicas e até mesmo escolares. Juntei material sobre ele, e comecei a ler sobre ele. E agora apresento-lhes este Bartolomeu “encantado”, ou melhor este “encantamento” que este “encantado” escritor tem provocado em mim. Trata-se de um insignificante diante da grandeza deste escritor “encantado”, mas é um começo.

Não pretendo fazer uma biografia, mas apontarei pequenas passagens de seus escritos que considerei importantes para conhecê-lo. E assim ele se apresentou a mim ao dizer nasceu “com 57 anos”, sendo “34 vindos de seu pai, cheio de amores duvidosos e desejos escondidos, e 23 de sua mãe, marcados com traições e perdas”. E que desenvolveu, por herança, “a capacidade de associar amor ao sofrimento.” E, a partir desta herança, é que pode perceber a pequena cidade em que nasceu enfeitada de rezas, procissões, novenas e pecados”, mas que também possuía o sabor de “laranja-serra-d’água”, “onde” sua “solidão já pressentida era tomada pelo vigário, professora, padrinho, beata, como exemplo de perfeição.” Foi nesta “solidão pressentida”, pois também por herança, seu pai “não passeou” com ele “montado em seus ombros”, e nem sua mãe “cantou cantigas de ninar” para lhe “trazer o sono”.

O que gostaria, no entanto, de destacar é seu jeito de ver o mundo de sua infância, costurada pela fantasia, isso por que para Bartolomeu “a infância é o lugar que jamais poderei estar a não ser pela fantasia” que para mim, revela como nós lidamos com a memória que fazemos do que vivemos. E nesse sentido, a memória é outra categoria magnífica em Bartolomeu. Para Bartolomeu a memória é um grande patrimônio que temos, pois “a memória tanto guarda o que a gente viveu como guarda o que a gente sonha” e esta memória, na visão dele, encontra diálogo na literatura. Para Bartolomeu é com “a literatura, esse mundo sonhado consegue falar”. E assim, usando de sua literatura Bartolomeu fala de sua infância, costurada com a fantasia, pois, para ele “a criança está lá em realidade”, mas o que escrevemos nem sempre é esta realidade, mas é a possibilidade de uma outra realidade, uma realidade plena de outros sentidos e significados.  Mas para estabelecer este “diálogo” com a infância através da literatura, para que ele seja apurado e profundo é preciso silêncio. Para Bartolomeu “conversar com o silêncio é uma coisa fascinante. Vivemos em uma sociedade em que o silêncio está interditado. As pessoas falam o tempo inteiro. [...] É um mundo que fala o tempo inteiro. Não conversamos com o silêncio. E quando a gente escuta o silêncio a gente tem muita resposta.”

E sobre este silêncio, encontrei em “Antes do depois” passagem magníficas e aí percebi, que o “silêncio” não era apenas uma categoria, mas uma prática; um meio pelo qual Bartolomeu mergulhava em sua memória de menino para dialogar com sua infância. O silêncio aparece de forma decisiva e poderosa. Era “preciso de pedacinhos de silêncio para dar fôlego às dores” (p.8), ou ainda era preciso engolir o choro, “para não invadir o silêncio do quarto meio escuro, como se tudo estivesse em eterno crepúsculo” (p.11). Ou ainda o “silêncio não tem sombra para camuflar as coisas. Silêncio desconhece fronteiras. O silêncio pode engolir até pessoas (p.12), mas ao mesmo tempo, o silêncio era um lugar onde ele “guardava o amor”. (p.23). E o mais surpreendente é que “no meio do silêncio vive todo tipo de ruído. Ninguém nunca escutou o silêncio. O que mais corta o silêncio é a palavra” e ela, a palavra, “se perde entre silêncios” (p.23).

Não sei se o leitor conseguiu observar, que Bartolomeu faz um “queba-cabeças” de ideias e dá outros sentidos às palavras[2]. E esta habilidade só consegue que conhece o mistério que as palavras escondem. E talvez por isso, o escritor consegue imaginar esses mistérios das palavras e assim alinhava uma a uma de outros jeitos. Mas isso só é possível pelo silêncio. E quando, mergulhado neste silêncio, o escritor consegue construir frases carregadas de mistérios que desafiam o nosso pensar. Hoje o Bartolomeu que aprendi de seus livros, de modo particular de “Indez”, “Por parte de Pai”, “O olho de vidro do meu avô” e de “Antes do depois” revelam a intimidade deste fabuloso escritor com as palavras, e esta intimidade chega a nos tirar o fôlego, e requer tempo e silêncios para ver além do olho. Ainda não sei se compreendo a literatura de Bartolomeu, não o conheço suficiente. Mas é um prazer conhecer gente assim, plena de encantamentos.  

Listas das obras de Bartolomeu Campos de Queiroz:

Por parte de Pai; Rosa dos ventos;  2 patas e 1 tatu; História em 3 atos; Onde tem bruxa, tem fada; Diário de Classe; Elefante; O olho de vidro do meu avô; Para querer bem; Tempo de vôo; De letra em letra;  Pedro;  ; Formiga amiga;  O guarda-chuva;  Anacleto;  Vermelho amargo;  Antes do depois;  O pato pacato;  Até passarinho passa;  Indez; Vida e obra de Aletrícia depois de Zoroastro; A Árvore;  As patas da vaca;  O peixe e o pássaro;  Mais como mais dá menos;  Mineração;  Ler, escrever e fazer conta de cabeça;  Antes e depois; Correspondência;  Faca afiada;  Raul luar;  A matinta perera;  Papo de pato;  Sei por ouvir dizer;  Ciganos;  ABC até Z;  A filha da preguiça;  De bichos e não só;  Para criar passarinho;  Nem te conto – volume 2;  O piolho;  Mário



[1] Bartolomeu nasceu em 25 de agosto de 1944 e encantou-se em 16 de janeiro de 2012.

[2] E aqui vale a pena ler a magnífica obra “Vida e obra de Aletrícia depois de Zoroastro” de Bartolomeu.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Nova obra nascendo... "Presença Paterna" - Minilivro

 Realizamos o registro de mais uma obra. Trata-se de um minilivro. E quando digo minilivro, estou falando apenas em suas dimensões: 2,6 x 3,4 cm. Isso mesmo, em centímetro. O tamanho da fonte é também proporcional às dimensões da obra, fonte no tamanho de 4,5 pontos. 


Além dos aspectos dimensionais, o que causa um primeiro impacto aos leitores, há também alguns aspectos artesanais que merecem ser destacados. Todos os livros são costurados à mão. Livro a livro. com um processo totalmente artesanal feito pelo próprio autor. Todo o projeto foi criado e desenvolvido pelo autor: 

  • criação do texto;
  • diagramação;
  • impressão;
  • corte;
  • dobras;
  • costura;
  • colagem
  • e montagem do livro.

A única parte da obra que foi feita por terceiros foi a impressão da capa, isso porque o autor não possui impressora colorida, nem máquina laminadora. Por isso foi terceirizada. O fato de ser um livro artesanal, não há limites de edição. Estão sendo feitos 200 exemplares para o lançamento. E depois serão feitos por encomenda.

Vamos então ao conteúdo. Trata-se de três crônicas e um poema. As três crônicas narram memórias de infância do autor. Abordam temas vivenciados - e aprendidos - com seu pai. Daí o título: Presença paterna. A primeira crônica a temática é a "Lavação do cruzeiro", uma prática da crença popular de jogar água do pé de uma grande cruz, geralmente erguida no meio do campo, em lugar alto. Acredita-se que ao jogar água do pé da cruz o período chuvoso é mais abundante e garante a produção para o sustento da família. E nesta mesma tendência, ocorre na segunda e na terceira crônica. 

Já o Poema é uma homenagem do autor à pessoa de seu pai, destacando o seus silêncio. Silêncio esse, que é "uma pausa no barulho do mundo". Com este conteúdo se preenche as 95 páginas deste minilivro.

Sem dúvida esta obra, impressiona pela dimensão, mas espera também impressionar pelo conteúdo.


sábado, 30 de março de 2024

TEMOS UMA NOVA RAINHA PERPÉTUA DE SANTA IFIGÊNIA!

VIVA! Viva a Rainha Samara!

Por Geraldo Fonte Boa

(Observação: este texto será substituído, em breve, por um mais detalhado. Aguarde!!!)


 Há três mês atrás nos despedimos de D. Sãozinha, que teve um reinado longevo em nossa cidade. Por isso o ritual de descoroamento de uma rainha em um velório, era tão raro e precisava ser registrado. E nós o fizemos e encontra-se publicado em meu blog. Para acessar, ir este endereço: https://phonteboa.blogspot.com/2023/12/ritual-de-descoroamento-da-rainha.html. Agora, presenciamos a grande festa de coroação da nova Rainha Perpétua de Santa Ifigênia, herdeira do legado da saudosa rainha D. Sãozinha, que deverá levar adiante a missão de realizar a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário.

E a nova rainha é Samara Regina Ferreira, neta de D. Sãozinha, filha de João. Samara foi coroada por D. Sãozinha quando ainda criança para ser uma das princesas ou mesmo rainha temporária, festeira de Nossa Senhora do Rosário. E agora foi escolhida entre os congadeiros da Irmandade das Sete Guardas para substituir o Reinado de sua avó, sendo coroada Rainha Perpétua de Santa Ifigênia. E sua primeira missão será acompanhar as guardas da irmandade na grande festa de São Benedito em Aparecida do Norte. Festa que sua avó fazia questão de estar presente, todos os anos.

Mas a missão da nova Rainha, vai muito além. Ela tem a missão de comandar os festejos do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, junto com suas guardas, e com o Rei Congo Dilermando e sua mãe, a Rainha Conga D. Maria Ana. Aliás, D. Maria Ana, a Rainha Conga merece aqui nossos aplausos e admiração, pela constante presença e pelo empenho na realização desta festa. Junto com D. Sãozinha, D. Maria Ana foi um dos pilares que sustentaram a realização desta festa, e continuará sendo sustentáculo junto com a Rainha Samara. Desejamos a elas muitas bênçãos nesta missão. Mas vamos ao ritual de coroação.

O ritual é longo! Vou deixar, em breve, uma versão completa lá no meu blog, para quem quiser conhecer os detalhes. Vai aqui uma síntese. Inicia-se com um cortejo até a Capelinha das Sete Guardas, e após os cantos das guardas de Moçambique e Candombe em Louvor a Nossa Senhora, o Capitão-mor, Sr. Mário, inicia o ritual, todo ele também cantado e respondido pela assembleia. Com o verso abaixo, convida a nova rainha (a ser coroada) a se ajoelhar diante do altar de Nossa Senhora do Rosário:

Ajoelhai senhora,

Ajoelhai diante de

Nossa Senhora

Ela é a Rainha divina.

Então, já ajoelhada, dá sequência ao ritual, que intercala momentos de oração – sempre em voz baixa por parte do capitão-mor – e, em seguida, um canto que se repete por três vezes e todas elas respondido pela assembleia. O primeiro é para a coroa e diz assim:

Coroai, Coroai, Senhora

Coroai, essa nossa Rainha

Esta coroa é sagrada

Esta coroa é divina.

E mesmo ritual para o manto, com o seguinte canto:

Oh! Recebei Senhor

Oh! Recebei Senhor

Recebei o Santo Manto

Ele é de Nossa Senhora.

Já com o manto e com a coroa canta-se para a nova rainha se levante, e depois para que ela se vire para a assembleia.  E então canta-se para a entrega da insígnia:

Oh! Recebei Senhor

Oh! Recebei Senhor

Recebei esta insígnia

Ele é de Nossa Senhora.

E por fim, vem o canto final do ritual de coroação:  

Está coroada, está coroada

Está coroada a nossa Rainha

Ela foi coroada

Com a coroa divina.

Este ritual é encerrado com os tradicionais vivas a Nossa Senhora do Rosário, ao Rosário de Maria, e Viva a Nossa Rainha e a assembleia responde com um "Viva!!!" para cada invocação.

Mas o rito continua com a caracterização própria de Santa Ifigênia, visto ser este o caso. Então, o capitão-mor declama um pequeno poema contando a história de Santa Ifigênia, e após o poema, canta os seguintes versos, entregando a Rainha Samara a Casinha de Santa Ifigênia:

Recebei, Senhora!

Recebei, Senhora!

Recebei a casinha de Santa Ifigênia

Recebei, Senhora!

Canta-se uma série de versos, pelo capitão-mor, sempre em referência a Santa Ifigênia. E ao término faz-se os “cumprimentos dos congadeiros” a todos os capitães presentes e também a Rainha coroada. O “cumprimento dos congadeiros” é o sinal da cruz feito segurando a mão de quem vai se cumprimentar, e faz o sinal da cruz em um e depois no outro. Este “cumprimento” tem o nome entre os congadeiros de “Sarava”. Durante o “Sarava” canta-se os versos:  

“Virgem Maria, lá no Céu

Oh! Pai Nosso que está no céu,

Pois a Glória seja ao Pai

Oh! Lá no céu, oh! Pai Eterno”

E com um viva a Santa Ifigênia as caixas do Moçambique, com suas gungas, patangomes, tocam expressando a alegria de uma nova rainha coroada. E aí puxam cantos diversos, sendo cada capitão de guarda presente os responsáveis, tanto para saudação a nova rainha, quanto para agradecimento de se ter coroado. Após o Moçambique ter feito a sua saudação, o Candombe faz também seus cumprimentos a Rainha Perpétua de Santa Ifigênia Samara, oferecendo-lhe flores e cânticos. E após sua apresentação, o Candombe vai saindo, sem virar as costas à nova Rainha e vai deixando a capelinha. O Moçambique assume suas caixas e também se retiram da capela acompanhado pela Nova Rainha formando-se um cortejo em direção à casa de D. Sãozinha, que continua sendo quartel das guardas da Rainha Samara.

Dentro do terreiro coberto, a nova Rainha Samara é acolhida e cumprimentada por todos. E assim se encerra a grande festa de coroação da nova Rainha de Santa Ifigênia do Reinado de Nossa Senhora do Rosário de Itaúna.

Este é o registro para quem não conhece a tradição deste povo simples, povo de fé, povo congadeiro. Respeitar pressupõe conhecê-los, e conhecê-los vem da convivência, de frequentar suas festas e suas lutas. Só assim podemos dizer: Viva Nossa Senhora do Rosário! Viva o Rosário de Maria! Viva a Rainha Perpétua de Santa Ifigênia Samara Regina! Viva o Reinado de Nossa Senhora do Rosário de Itaúna! Viva!!!


sábado, 30 de dezembro de 2023

RITUAL DE DESCOROAMENTO DA RAINHA PERPÉTUA DE SANTA IFIGÊNIA EM ITAÚNA

IFIGÊNIA 

Geraldo Fonte Boa[1]

Considerações iniciais

O ritual que irei descrever neste texto foi resultado de minha observação atenta realizado quando do "descoroamento" da Rainha Perpétua de Santa Ifigênia Dona Sãozinha, de Itaúna, MG. Por ser resultado de minha observação, pode haver alguma discrepância devia a percepção de alguém de fora do movimento do Reinado, ou do Congado. Isso porque o Congado a gente aprende e apreende a partir da convivência e da participação de seus festejos. E mesmo acompanhando o Congado de Itaúna, que aqui é chamado de Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, foi a primeira vez que tive a oportunidade de acompanhar este ritual. Se a descrição que faço aqui, tiver algum elemento que não corresponda a verdade dos fatos, peço que anote e que me comunique para que eu possa corrigir e também aprender. Mas tenha a certeza que o que descrevo aqui é o melhor que pude fazer para ser fiel ao ritual e respeitoso ao povo do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e aos parentes e amigos da família de D. Maria da Conceição de Jesus, D. Sãozinha.

Contexto

Tem rituais que a gente só tem a oportunidade de ver uma única vez, ou pouquíssimas vezes na vida. Embora tenha pessoas que, em toda sua existência, não tiveram e não terão a oportunidade de conhecer alguns rituais, diferentes, significativos e muito bonitos. E o ritual de "descoroamento" de uma rainha, em seu leito de morte, é um desses rituais. Único em sua forma, simples em seus gestos, mas pleno de símbolos e de significados. Este ritual ocorreu durante o velório de uma Rainha do Congado, ou como é chamado aqui em minha cidade, uma Rainha Perpétua do Reinado. Pois bem. D. Maria da Conceição de Jesus, com 98 anos de idade faleceu. Ela era Rainha Perpétua de Santa Ifigênia e por muitos anos comandou a festa do Reinado em nossa cidade. Sua residência era a sede de três ternos ou “guardas” de congado: uma guarda de Congo, um Candombe e uma guarda de Vilão. Sua casa simples era um “quartel” do Reinado e ela, como Rainha Perpétua era quem comandava a festa. Em todo dia 01 de agosto era sua obrigação levantar a Bandeira de Santa Ifigênia em seu terreiro, e dar o aviso que aquele ano teria festa. E a festa se estendia por 15 dias consecutivos, como muita dança, comida, bandeiras, foguetes, muita música e dança aos sons dos tambores, caixas, reco-recos, gungas e patangomes. Uma expressão firme de força e de fé.

Pois bem, como todo ciclo de vida acaba, a Rainha D. Sãozinha também chegou ao fim de sua trajetória. Faleceu. Então fomos ao velório. Para começar, não foi um velório comum. Foi o velório digno de uma Rainha. Cada capitão de guarda que chegasse ao velório fazia sua saudação a rainha falecida com muita oração e muita cantiga. As caixas silenciaram, os reco-recos, os tambores, não tocaram naquele dia. O povo, visivelmente abalado e condoído pela preciosa perda, traziam em seus cânticos a dor e a certeza de que a Rainha já estava no céu com Senhora do Rosário.

O ritual   

Passou-se as horas e aproximadamente duas horas antes do sepultamento, o capitão-mor, acompanhado por mais dois capitães da irmandade das Sete Guardas, da qual pertencia aquela Rainha, começam os preparativos para o “descoroamento” da Rainha falecida. Coloca-se um pouco acima da cabeça da falecida a sua coroa, sobre seu corpo estende o manto e sobre suas mãos o cetro, com a insígnia de Rainha. Então todos se aproximam. Os capitães de Guarda presentes, ficam de um lado e do outro, e nos pés do caixão ficam as mulheres filhas e netas da Rainha ali presentes.

O Capitão-mor, Senhor Mário, no exercício de sua função, preside a cerimônia e inicia o rito de “descoroamento”. Reza em voz baixa, praticamente inaudível. Esta forma de rezar parecia ser proposital, pois somente os capitães que lhe estavam mais próximos dele poderiam ouvir as palavras de suas orações. Depois puxava um canto, e todos repetiam cantando as palavras puxadas pelo Capitão-mor. O canto tinha a seguinte letra:

“Virgem do Rosário

Ela é a nossa mãe

Clamamos por ela

Em nossas orações”

Ao terminar o canto por parte da assembleia, o capitão-mor voltava a fazer sua oração e puxava o canto novamente. Este pequeno ritual introdutório se repetiu por sete vezes. Ao final das sete vezes, o capitão-mor dava o “Viva a Nossa Senhora do Rosário”, o “Viva o Rosário de Maria” e o povo respondia, com voz embargada: "Viva!!!".

Em seguida, desta vez acompanhado por um tambor, com toque compassada e fúnebre, puxava um novo canto, com um verso simples, que dizia assim:

“Virgem Maria, Mãe do Céu

Esta Rainha está lá no céu,

Pois a Glória seja ao Pai

Oh! Lá no céu, oh! Pai Eterno”

Após ser cantado duas vezes pelo capitão-mor e repetido duas vezes pela assembleia se repetia este mesmo canto por três vezes.

Ao término desta segunda parte, o capitão-mor puxou novo canto, dando início ao ritual de “descoroamento” propriamente dito.

E o canto era:

Descoroai, Descoroai, Senhora

Descoroai, essa nossa Rainha

Esta coroa é sagrada

Esta coroa é divina.

O que era repetido pela assembleia em resposta ao canto do capitão-mor. E o mesmo se repetia por três vezes.

Em seguida, o capitão-mor, com a ajuda de outro capitão, com seus bastões, erguia a coroa, sem nela se tocar, usando somente os bastões, cantavam:

“Entregai, Senhora

Entregai, Senhora

Estregai esta coroa

Ela é de Nossa Senhora”

E repetia mais também por três vezes, sempre com a resposta do canto pela assembleia. Enquanto se cantava a coroa erguida pelos bastões do capitão percorria todo o corpo até chegar aos seus pés e era entregue pelos bastões as filhas e netas da Rainha falecida.

Este mesmo ritual se dava para o manto. E acompanhado do canto se erguia o manto, com a ajuda dos bastões dos demais capitães presentes, sempre tendo o cuidado de não se tocar com as mãos o objeto erguido da rainha.  E assim conduzia o manto por toda a extensão de seu corpo até seus pés onde fazia a entrega do mesmo as filhas e netas da Rainha falecida.

Para a retirada do manto se cantava e era repetido pela assembleia o seguinte canto:

Entregai, Senhora

Entregai, Senhora

Entregai este manto

Ele é de Nossa Senhora.

O mesmo acontecia com o cetro da rainha, que era acompanhado do mesmo canto com a seguinte letra:

Entregai, Senhora

Entregai, Senhora

Entregai esta insígnia

Ele é de Nossa Senhora.

Ao terminar o ritual, o capitão-mor puxava então o canto de encerramento, também por três vezes repetido, com os seguintes dizeres:

Descoroou, Descoroou, Senhora

Descoroou esta nossa Rainha

Ela foi descoroada com a coroa Divina

E o capitão-mor deu viva a nossa Senhora do Rosário e ao Rosário de Maria. E assim termina o Ritual de Descoroamento.

Desfecho

Mas o velório segue, nem os capitães nem a assembleia se mexe. Cada capitão presente puxa um canto em honra a rainha descoroada, destacando sua missão cumprida e seus ensinamentos, bem como a louvores a Nossa Senhora do Rosário. E cada canto era acompanhado e respondido pela assembleia presente. E assim se repeti por dez a quinze minutos. E finalizando o velório seguiu ao cortejo até a capela do Rosário e, de lá ao cemitério central. Tanto na capela do Rosário, quanto no Cemitério, a assembleia pode se manifestar engrandecendo a missão de D. Sãozinha, e sempre com mais cânticos  e mais louvores tanto a Rainha descoroada, quanto a Nossa Senhora do Rosário.

D. Sãozinha cumpriu sua missão e deixou a coroa para suas filhas e netas que deverão decidir qual delas será coroada como Rainha Perpétua de Santa Ifigênia e se responsabilizará para dar continuidade a Festa do Reinado, a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário.

E para encerrar é preciso destacar uma particularidade de nossa cidade. No alto do morro, se ergue duas capelas: a capela oficial de Nossa Senhora do Rosário e a Capela das Sete Guardas. Esta Capela das Sete Guardas foi construídas à revelia da Igreja Católica, quando o Bispo D. Cabral, na década de 1940, resolveu proibir a entrada dos congadeiros em suas Capelas do Rosário com seus tambores, danças e cânticos. Então, com a participação de D. Sãozinha, parte dos congadeiros deixaram a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e criaram a Irmandade das Sete Guardas e construíram uma capela para dar sequência á sua devoção a Nossa Senhora do Rosário. Vale ressaltar que a capela de Nossa Senhora do Rosário -  a oficial - permaneceu fechada durante o cortejo da Rainha e ela recebeu na Capela de Nossa Senhora do Rosário -  a não oficial - as últimas homenagens antes de ser conduzida ao cemitério central. Mas nem por isso tirou o brilho e a dignidade deste povo que celebrou com a vida sua devoção a Nossa Senhora do Rosário.

Viva, Nossa Senhora do Rosário! Viva!

Viva, o Rosário de Maria! Viva!



[1] Professor de História, Filosofia e Sociologia. Membro da Academia de Letras de Pará de Minas e membro-fundador da Academia Itaunense de Letras. Estudioso da cultura popular do Reinado em Itaúna.

sábado, 16 de dezembro de 2023

Presente para você

 Percorro lojas e mais lojas
físicas e virtuais, desesperadamente,
com você sempre presente
a todo instante, constante.
Busquei aqui, acolá...
Olhei várias opções
e não consegui me decidir...
Não sei porquê... me senti travado,
esgotado de tanto procurar,
mas o que encontrei não atendia
as expectativas ou os sentimentos 
que lhe queria transmitir.

E, então, chegou o dia
e venho com estas mãos vazias
lhe visitar... e trago algo para você
que não se compra em nenhum lugar
trago meus olhos plenos de ternura
e meus braços disponíveis e entregues
a um abraço repleto de afeto sincero
e, prometo, estarei inteiro,  
presente completamente,
dedicado exclusivamente a você.

Feliz Natal!