Geraldo Fonte Boa
Sou professor
da Rede Pública Municipal, e também da Rede Privada de ensino, e como
professor, conhecedor de meu público, e por respeitá-lo, é que me senti na
obrigação de manifestar. Sei que meu posicionamento pode não agradar a muitos,
mas coloco-me disposto a ouvir. Mas discordar respeitosamente é próprio dos
regimes democráticos. Chegou ao meu conhecimento a tramitação de um projeto lei
de número 45, de 2025, assinado por três vereadores do município, onde propõem
“o uso da leitura bíblica como ferramenta paradidática em escolas públicas e
privadas do Município de Itaúna, MG”. Não declinarei os nomes dos referidos
vereadores em respeito a eles, até porque os conheço, e sei que suas intenções
podem ser boas, mas a proposta não é cabível.
Nada contra a
leitura da bíblia, seja em qual lugar seja, mas uso dos textos bíblicos –
apesar de sua riqueza histórica e cultural – como “ferramenta paradidática em
escola públicas e privadas” aí ultrapassa os limites do uso didático e
pedagógico e pode se transformar em um mecanismo de propagação de uma visão
religiosa, ou mesmo se instrumento de exclusão e de menosprezo para crianças e
adolescentes que serão excluídas do processo pedagógico e educacional.
Pelo que
sabemos o Estado é laico, e o Brasil não é constituído somente de cristãos.
Residem em nossos municípios pessoas que não tem no cristianismo sua profissão
de fé, então querer propor a leitura bíblica nas escolas é uma falta de
respeito para com o público que não é cristão. Portanto o Estado deve garantir
que todos tenham liberdade de manifestar suas crenças e não deve interferir
nesta questão. Não cabe a ele propor nenhum tipo de orientação que beneficie
determinado grupo religioso. E no caso aqui analisado, mesmo que nenhum aluno
seja obrigado a participar das atividades prevista nesta lei, como está
descrito no artigo 2º da proposta, é por si mesmo uma atitude de exclusão de
uma minoria. Além disso, a utilização de fragmentos de um determinado artigo da
constituição e não de sua totalidade como fundamentação teórica fere o
princípio constitucional. O inciso VI, do artigo 5º da Constituição Federal diz
claramente “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Não caberia
aqui dizer que ao propor a leitura bíblica nas escolas, não estaria violando a
liberdade de manifestação religiosas dos grupos que não são cristãos? Não
estaria abrindo a possibilidade de transformar as escolas em locais de culto? E
o que fazer com os alunos que não se identificam com o cristianismo, serão
excluídas do processo pedagógico?
Além disso,
vale ressaltar que a própria Constituição Federal já é muito clara quanto ao
estabelecimento dos conteúdos a serem trabalhados na rede pública e privada de
ensino, e no tocante ao ensino religioso, diz o Art. 210. “Serão fixados
conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação
básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais.” E em seu parágrafo primeiro diz: “§ 1º O
ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental.” Por este motivo a
aprovação desta lei passa a conflitar com o princípio facultativo da matrícula
no ensino religioso” uma vez que está propondo a utilização de um texto bíblico
que é a base de um determinado grupo ou segmento religioso em meio a tantos
outros.
Mas caberia
aqui algumas questões não menos importante: qual versão bíblica será utilizada,
visto que temos inúmeras denominações cristãs com bíblias diferentes? E o que
será ofertado para as crianças e adolescentes ou estudante que não professam
determinada orientação religiosa? Serão abertos também às religiões de matriz
africana, ou indígena, ou mesmo oriental e islâmicas em utilizarem de seus
ritos, leitura, textos sagrados dentro das unidades escolares públicas e
privadas? Os vereadores que estão propondo esta “inovação” conversaram com os
pais dos alunos que se identificam com religiões não cristãs? Conhecem a
realidade escolar da cidade e garantem que não haverá doutrinação religiosa nas
unidades escolares?
Não nego que
as histórias bíblicas podem ajudar a refletir sobre valores que transcendem
nossas crenças religiosas, mas utilizá-las como “ferramenta paradidática” é uma
maneira de dizer que tais valores presentes nas histórias bíblicas devem ser
acolhidas e ensinadas como “verdades” em nossas escolas, e que os alunos de
outras denominações religiosas serão privadas destas “verdades” e que as
“verdades” de suas crenças não serão consideradas, nem respeitadas.
Por este
motivo, prudência e respeito seriam bons princípios! Respeito aos textos sagrados. Respeito às
crenças dos outros! Respeito direito de inclusão apregoado pela constituição
nacional! Respeito ao princípio da liberdade de crença e consciência conforme a
integralidade de todo o inciso VI, do art. 5º da constituição federal, que deve
garantir a todos os mesmos direitos de se manifestarem! E, finalmente, respeito
a autonomia pedagógica escolar!
E quanto à prudência, utilizarei de um dito
popular muito útil neste momento: “devagar com o andor, que o santo é de
barro”!