Por Phonteboa
Não conheci Bartolomeu. Encontrei-me
com ele de forma informal e à distância. Isso ocorreu em um evento realizado em
Pará de Minas no ano de 2009. Na época eu estava na função de Diretor da
Faculdade de Pará de Minas e a Academia de Letras de Pará de Minas organizou um
encontro com Bartolomeu em um auditório do Sindicato Rural de Pará de Minas.
Nesse dia, após sua fala, Bartolomeu recebeu o diploma de Acadêmico Honorário
da Academia de Letras de Pará de Minas. Lembro que foi uma solenidade muito
simples, mas muito significativa. Como não o conhecia, não consegui, na época
compreender o tamanho deste escritor. Não conhecia sua obra, nem mesmo quem ele
era de fato.
O tempo passou e Bartolomeu ficou
alí em minha memória, como uma pessoa importante, mas que não sabia de sua
importância. Veja, não me leve a mal, eu não tinha noção de quem era ele. Não
havia lido nada desse escritor. Pouco tempo depois, recebi a notícia de que
Bartolomeu havia falecido[1] e pensei
assim comigo: Bartolomeu, por ser um escritor, assim como dizia Guimarães Rosa,
“encantou-se”. Isso porquê, para mim, todos os escritores, sem distinção, “ficam
encantados”, não morrem nunca. Esta criação de João Guimarães Rosa é magnífica!
Seu corpo desaparece, sua presença física ausenta-se. Mas suas ideias
permanecem em seus escritos e depende unicamente da iniciativa de alguém que
leiam suas palavras. Assim que estes escritos são lidos, o escritor se revela e
sua dimensão de “encantamento” aparece.
Não busquei conhecer sua história,
não li suas obras por anos. E mesmo sendo membro da Academia de Letras de Pará
de Minas, tinha tantos outros projetos, tantos outros envolvimentos e
Bartolomeu, melhor, suas obras, não provocaram em mim mobilização. Sabia de sua
existência, mas isso não provocava a minha curiosidade ou a devida atenção. Ele
estava “encantado”, e eu não percebia este “encantamento”. Até que um dia, em
uma de nossas reuniões da Academia, o assunto sobre o cuidado com as obras dos
membros da própria Academia, ou seja, “nós não nos lemos”. Convivemos com escritores
e não conhecemos os seus escritos e as suas obras. E dentro desta conversa
despretensiosa, mas séria, veio a constatação de que todos os nossos acadêmicos
honorários já eram falecidos e que caberia a Academia fazer uma homenagem a
eles, e mais que isso, conhecer suas obras. Foi neste momento que me propus ler
Bartolomeu.
Pesquisei sobre ele, busquei algumas
de suas obras. Visitei bibliotecas públicas e até mesmo escolares. Juntei
material sobre ele, e comecei a ler sobre ele. E agora apresento-lhes este
Bartolomeu “encantado”, ou melhor este “encantamento” que este “encantado”
escritor tem provocado em mim. Trata-se de um insignificante diante da grandeza
deste escritor “encantado”, mas é um começo.
Não pretendo fazer uma biografia,
mas apontarei pequenas passagens de seus escritos que considerei importantes
para conhecê-lo. E assim ele se apresentou a mim ao dizer nasceu “com 57 anos”, sendo “34 vindos de seu pai,
cheio de amores duvidosos e desejos escondidos, e 23 de sua mãe, marcados com traições
e perdas”. E
que desenvolveu, por herança, “a
capacidade de associar amor ao sofrimento.” E, a partir desta herança, é que pode
perceber a pequena cidade em que nasceu “enfeitada
de rezas, procissões, novenas e pecados”,
mas que também possuía o sabor de “laranja-serra-d’água”, “onde” sua “solidão já
pressentida era tomada pelo vigário, professora, padrinho, beata, como exemplo
de perfeição.” Foi
nesta “solidão pressentida”, pois também por herança, seu pai “não
passeou” com ele “montado
em seus ombros”, e
nem sua mãe “cantou cantigas de ninar” para lhe “trazer
o sono”.
O que gostaria, no
entanto, de destacar é seu jeito de ver o mundo de sua infância, costurada pela
fantasia, isso por que para Bartolomeu “a infância é o lugar que
jamais poderei estar a não ser pela fantasia” que para mim, revela como nós lidamos com a
memória que fazemos do que vivemos. E nesse sentido, a memória é outra
categoria magnífica em Bartolomeu. Para Bartolomeu a memória é um grande
patrimônio que temos, pois “a memória tanto guarda o que a gente
viveu como guarda o que a gente sonha” e esta memória, na visão dele, encontra diálogo na literatura.
Para Bartolomeu é com “a literatura, esse mundo sonhado consegue
falar”. E
assim, usando de sua literatura Bartolomeu fala de sua infância, costurada com
a fantasia, pois, para ele “a criança está lá em realidade”, mas o que escrevemos
nem sempre é esta realidade, mas é a possibilidade de uma outra realidade, uma
realidade plena de outros sentidos e significados. Mas para estabelecer este “diálogo” com a infância através
da literatura, para que ele seja apurado e profundo é preciso silêncio. Para
Bartolomeu “conversar com o silêncio é uma coisa fascinante.
Vivemos em uma sociedade em que o silêncio está interditado. As pessoas falam o
tempo inteiro. [...] É um mundo que fala o tempo inteiro. Não conversamos com o
silêncio. E quando a gente escuta o silêncio a gente tem muita resposta.”
E
sobre este silêncio, encontrei em “Antes do depois” passagem magníficas e aí percebi, que o “silêncio” não era apenas uma
categoria, mas uma prática; um meio pelo qual Bartolomeu mergulhava em sua
memória de menino para dialogar com sua infância. O silêncio aparece de forma
decisiva e poderosa. Era “preciso
de pedacinhos de silêncio para dar fôlego às dores” (p.8), ou ainda era
preciso engolir o choro, “para
não invadir o silêncio do quarto meio escuro, como se tudo estivesse em eterno
crepúsculo”
(p.11). Ou ainda o “silêncio
não tem sombra para camuflar as coisas. Silêncio desconhece fronteiras. O
silêncio pode engolir até pessoas (p.12), mas ao mesmo tempo, o silêncio era um lugar onde ele “guardava o amor”. (p.23). E o mais surpreendente
é que “no meio do silêncio vive
todo tipo de ruído. Ninguém nunca escutou o silêncio. O que mais corta o
silêncio é a palavra” e ela, a palavra, “se perde entre silêncios” (p.23).
Não sei se o
leitor conseguiu observar, que Bartolomeu faz um “queba-cabeças” de ideias e dá outros sentidos às
palavras[2].
E esta habilidade só consegue que conhece o mistério que as palavras escondem.
E talvez por isso, o escritor consegue imaginar esses mistérios das palavras e
assim alinhava uma a uma de outros jeitos. Mas isso só é possível pelo
silêncio. E quando, mergulhado neste silêncio, o escritor consegue construir
frases carregadas de mistérios que desafiam o nosso pensar. Hoje o Bartolomeu
que aprendi de seus livros, de modo particular de “Indez”, “Por
parte de Pai”, “O
olho de vidro do meu avô”
e de “Antes do depois” revelam a intimidade deste fabuloso
escritor com as palavras, e esta intimidade chega a nos tirar o fôlego, e
requer tempo e silêncios para ver além do olho. Ainda não sei se compreendo a
literatura de Bartolomeu, não o conheço suficiente. Mas é um prazer conhecer
gente assim, plena de encantamentos.
Listas
das obras de Bartolomeu Campos de Queiroz:
Por
parte de Pai; Rosa dos ventos; 2 patas e
1 tatu; História em 3 atos; Onde tem bruxa, tem fada; Diário de Classe; Elefante;
O olho de vidro do meu avô; Para querer bem; Tempo de vôo; De letra em letra; Pedro;
; Formiga amiga; O guarda-chuva; Anacleto;
Vermelho amargo; Antes do depois; O pato pacato; Até passarinho passa; Indez; Vida e obra de Aletrícia depois de
Zoroastro; A Árvore; As patas da vaca; O peixe e o pássaro; Mais como mais dá menos; Mineração;
Ler, escrever e fazer conta de cabeça;
Antes e depois; Correspondência; Faca
afiada; Raul luar; A matinta perera; Papo de pato;
Sei por ouvir dizer; Ciganos; ABC até Z;
A filha da preguiça; De bichos e
não só; Para criar passarinho; Nem te conto – volume 2; O piolho; Mário
[1]
Bartolomeu nasceu em 25 de agosto de 1944 e encantou-se em 16 de janeiro de
2012.
[2]
E aqui vale a pena ler a magnífica obra “Vida e obra de Aletrícia depois de
Zoroastro” de Bartolomeu.
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