domingo, 25 de agosto de 2024

O Silêncio de meu pai

 O poema “O Silêncio de Meu Pai”, escrito pelo professor Phonteboa e incluído no minilivro “Presença Paterna” – uma obra de dimensões singulares (2,6 x 3,4 cm) e fonte no tamanho 4,5 –, é uma peça literária cuidadosamente elaborada para "afetar" profundamente seus leitores. Lançado em 2024, este minilivro, apesar de seu formato diminuto, revela-se grandioso em cada palavra, ampliando-se em significado à medida que o leitor mergulha na mensagem que o autor pretende transmitir. Phonteboa destaca que cada um tem seu próprio jeito de se tornar presente, e é precisamente essa presença silenciosa que o poema captura com maestria.

O poema explora a profundidade e a complexidade do silêncio como um meio de comunicação poderoso e, muitas vezes, subestimado. Através do silêncio do pai, o eu lírico experimenta uma conexão íntima e profunda que vai além das palavras. Este silêncio é apresentado não como ausência, mas como presença repleta de significados e sentidos, algo que ocupa "todos os espaços" do ser do filho, desencadeando reações e reflexões profundas.

A insistência em falar, por parte do filho, pode ser vista como uma tentativa de preencher um vazio que, na verdade, não existe, pois o silêncio do pai já está pleno de significado. Isso reflete a dificuldade humana em aceitar e compreender o silêncio como uma forma legítima e rica de comunicação, especialmente em uma sociedade onde o falar é muitas vezes mais valorizado que o ouvir.

À medida que o poema avança, o silêncio do pai adquire uma dimensão transcendente. Torna-se "uma pausa no barulho do mundo", um momento de introspecção e busca por novos significados, novos pensamentos. É neste ponto que o silêncio se transforma em eternidade – quando o pai se vai, seu silêncio permanece como um legado, algo que agora o filho compreende em sua totalidade.

O desfecho do poema é especialmente tocante. O eu lírico, ao perceber a eternidade do pai no silêncio, cala-se, indicando que finalmente compreendeu e aceitou o poder desse silêncio. O silêncio do pai não é mais algo a ser preenchido ou rompido, mas respeitado e honrado.

Em termos literários, o poema utiliza a repetição do verso "O silêncio de meu pai" para enfatizar a centralidade dessa ideia na vida do eu lírico. O uso de paradoxos, como "o silêncio que comunica" e "o silêncio que ocupa todos os espaços", reflete a complexidade do tema e a rica ambiguidade do silêncio como uma forma de expressão.

No geral, o poema é uma reflexão profunda sobre a comunicação não-verbal, o legado dos pais, e a transformação do silêncio em um espaço de memória e conexão espiritual. É um convite à introspecção e à valorização dos momentos de quietude, tanto na vida quanto na morte. O professor Phonteboa, com sua obra pequena em dimensões físicas, mas imensa em profundidade emocional, nos lembra que a presença se manifesta de formas diversas e que o silêncio, muitas vezes, é a mais eloquente delas.

O SILÊNCIO DE MEU PAI

O silêncio de meu pai era repleto de significados ...
Estava ali ao meu lado por um longo tempo sem pronunciar som algum
E como comunicava ...
O silêncio do meu Pai ocupava todos os espaços de meu ser
E provocava em mim reações descabidas
E eu insistia em falar...
E não ouvia plenamente o silêncio de meu pai.
O silêncio de meu pai
Era uma pausa no barulho no mundo
Era uma busca de um novo sentido
De um novo momento
De um novo pensamento.
O silêncio de meu pai
É, agora, eterno.
E, então, percebo que meu pai tornou-se eterno
No próprio silêncio que era o silêncio de meu pai.
No silêncio de meu pai
Calo-me.

Texto de Charles Aquino

Publicado originalmente no Blog "Itaúna Décadas"

https://itaunaemdecadas.blogspot.com/2024/08/o-silencio-de-meu-pai.html


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012)

Por Phonteboa

Não conheci Bartolomeu. Encontrei-me com ele de forma informal e à distância. Isso ocorreu em um evento realizado em Pará de Minas no ano de 2009. Na época eu estava na função de Diretor da Faculdade de Pará de Minas e a Academia de Letras de Pará de Minas organizou um encontro com Bartolomeu em um auditório do Sindicato Rural de Pará de Minas. Nesse dia, após sua fala, Bartolomeu recebeu o diploma de Acadêmico Honorário da Academia de Letras de Pará de Minas. Lembro que foi uma solenidade muito simples, mas muito significativa. Como não o conhecia, não consegui, na época compreender o tamanho deste escritor. Não conhecia sua obra, nem mesmo quem ele era de fato.

O tempo passou e Bartolomeu ficou alí em minha memória, como uma pessoa importante, mas que não sabia de sua importância. Veja, não me leve a mal, eu não tinha noção de quem era ele. Não havia lido nada desse escritor. Pouco tempo depois, recebi a notícia de que Bartolomeu havia falecido[1] e pensei assim comigo: Bartolomeu, por ser um escritor, assim como dizia Guimarães Rosa, “encantou-se”. Isso porquê, para mim, todos os escritores, sem distinção, “ficam encantados”, não morrem nunca. Esta criação de João Guimarães Rosa é magnífica! Seu corpo desaparece, sua presença física ausenta-se. Mas suas ideias permanecem em seus escritos e depende unicamente da iniciativa de alguém que leiam suas palavras. Assim que estes escritos são lidos, o escritor se revela e sua dimensão de “encantamento” aparece.

Não busquei conhecer sua história, não li suas obras por anos. E mesmo sendo membro da Academia de Letras de Pará de Minas, tinha tantos outros projetos, tantos outros envolvimentos e Bartolomeu, melhor, suas obras, não provocaram em mim mobilização. Sabia de sua existência, mas isso não provocava a minha curiosidade ou a devida atenção. Ele estava “encantado”, e eu não percebia este “encantamento”. Até que um dia, em uma de nossas reuniões da Academia, o assunto sobre o cuidado com as obras dos membros da própria Academia, ou seja, “nós não nos lemos”. Convivemos com escritores e não conhecemos os seus escritos e as suas obras. E dentro desta conversa despretensiosa, mas séria, veio a constatação de que todos os nossos acadêmicos honorários já eram falecidos e que caberia a Academia fazer uma homenagem a eles, e mais que isso, conhecer suas obras. Foi neste momento que me propus ler Bartolomeu.

Pesquisei sobre ele, busquei algumas de suas obras. Visitei bibliotecas públicas e até mesmo escolares. Juntei material sobre ele, e comecei a ler sobre ele. E agora apresento-lhes este Bartolomeu “encantado”, ou melhor este “encantamento” que este “encantado” escritor tem provocado em mim. Trata-se de um insignificante diante da grandeza deste escritor “encantado”, mas é um começo.

Não pretendo fazer uma biografia, mas apontarei pequenas passagens de seus escritos que considerei importantes para conhecê-lo. E assim ele se apresentou a mim ao dizer nasceu “com 57 anos”, sendo “34 vindos de seu pai, cheio de amores duvidosos e desejos escondidos, e 23 de sua mãe, marcados com traições e perdas”. E que desenvolveu, por herança, “a capacidade de associar amor ao sofrimento.” E, a partir desta herança, é que pode perceber a pequena cidade em que nasceu enfeitada de rezas, procissões, novenas e pecados”, mas que também possuía o sabor de “laranja-serra-d’água”, “onde” sua “solidão já pressentida era tomada pelo vigário, professora, padrinho, beata, como exemplo de perfeição.” Foi nesta “solidão pressentida”, pois também por herança, seu pai “não passeou” com ele “montado em seus ombros”, e nem sua mãe “cantou cantigas de ninar” para lhe “trazer o sono”.

O que gostaria, no entanto, de destacar é seu jeito de ver o mundo de sua infância, costurada pela fantasia, isso por que para Bartolomeu “a infância é o lugar que jamais poderei estar a não ser pela fantasia” que para mim, revela como nós lidamos com a memória que fazemos do que vivemos. E nesse sentido, a memória é outra categoria magnífica em Bartolomeu. Para Bartolomeu a memória é um grande patrimônio que temos, pois “a memória tanto guarda o que a gente viveu como guarda o que a gente sonha” e esta memória, na visão dele, encontra diálogo na literatura. Para Bartolomeu é com “a literatura, esse mundo sonhado consegue falar”. E assim, usando de sua literatura Bartolomeu fala de sua infância, costurada com a fantasia, pois, para ele “a criança está lá em realidade”, mas o que escrevemos nem sempre é esta realidade, mas é a possibilidade de uma outra realidade, uma realidade plena de outros sentidos e significados.  Mas para estabelecer este “diálogo” com a infância através da literatura, para que ele seja apurado e profundo é preciso silêncio. Para Bartolomeu “conversar com o silêncio é uma coisa fascinante. Vivemos em uma sociedade em que o silêncio está interditado. As pessoas falam o tempo inteiro. [...] É um mundo que fala o tempo inteiro. Não conversamos com o silêncio. E quando a gente escuta o silêncio a gente tem muita resposta.”

E sobre este silêncio, encontrei em “Antes do depois” passagem magníficas e aí percebi, que o “silêncio” não era apenas uma categoria, mas uma prática; um meio pelo qual Bartolomeu mergulhava em sua memória de menino para dialogar com sua infância. O silêncio aparece de forma decisiva e poderosa. Era “preciso de pedacinhos de silêncio para dar fôlego às dores” (p.8), ou ainda era preciso engolir o choro, “para não invadir o silêncio do quarto meio escuro, como se tudo estivesse em eterno crepúsculo” (p.11). Ou ainda o “silêncio não tem sombra para camuflar as coisas. Silêncio desconhece fronteiras. O silêncio pode engolir até pessoas (p.12), mas ao mesmo tempo, o silêncio era um lugar onde ele “guardava o amor”. (p.23). E o mais surpreendente é que “no meio do silêncio vive todo tipo de ruído. Ninguém nunca escutou o silêncio. O que mais corta o silêncio é a palavra” e ela, a palavra, “se perde entre silêncios” (p.23).

Não sei se o leitor conseguiu observar, que Bartolomeu faz um “queba-cabeças” de ideias e dá outros sentidos às palavras[2]. E esta habilidade só consegue que conhece o mistério que as palavras escondem. E talvez por isso, o escritor consegue imaginar esses mistérios das palavras e assim alinhava uma a uma de outros jeitos. Mas isso só é possível pelo silêncio. E quando, mergulhado neste silêncio, o escritor consegue construir frases carregadas de mistérios que desafiam o nosso pensar. Hoje o Bartolomeu que aprendi de seus livros, de modo particular de “Indez”, “Por parte de Pai”, “O olho de vidro do meu avô” e de “Antes do depois” revelam a intimidade deste fabuloso escritor com as palavras, e esta intimidade chega a nos tirar o fôlego, e requer tempo e silêncios para ver além do olho. Ainda não sei se compreendo a literatura de Bartolomeu, não o conheço suficiente. Mas é um prazer conhecer gente assim, plena de encantamentos.  

Listas das obras de Bartolomeu Campos de Queiroz:

Por parte de Pai; Rosa dos ventos;  2 patas e 1 tatu; História em 3 atos; Onde tem bruxa, tem fada; Diário de Classe; Elefante; O olho de vidro do meu avô; Para querer bem; Tempo de vôo; De letra em letra;  Pedro;  ; Formiga amiga;  O guarda-chuva;  Anacleto;  Vermelho amargo;  Antes do depois;  O pato pacato;  Até passarinho passa;  Indez; Vida e obra de Aletrícia depois de Zoroastro; A Árvore;  As patas da vaca;  O peixe e o pássaro;  Mais como mais dá menos;  Mineração;  Ler, escrever e fazer conta de cabeça;  Antes e depois; Correspondência;  Faca afiada;  Raul luar;  A matinta perera;  Papo de pato;  Sei por ouvir dizer;  Ciganos;  ABC até Z;  A filha da preguiça;  De bichos e não só;  Para criar passarinho;  Nem te conto – volume 2;  O piolho;  Mário



[1] Bartolomeu nasceu em 25 de agosto de 1944 e encantou-se em 16 de janeiro de 2012.

[2] E aqui vale a pena ler a magnífica obra “Vida e obra de Aletrícia depois de Zoroastro” de Bartolomeu.